Homero Salles

Ex-diretor de Silvio Santos relembra correria por gravata florida e vício de Gugu por Ibope

Braço direito e amigo íntimo de Gugu Liberato abre os bastidores do auge da guerra de audiência aos domingos e recorda carreira na televisão


Silvio Santos no Hot Hot Hot, Homero Salles atualmente e Gugu Liberato
Homero Salles revisita programas que dirigiu, elege os favoritos e abre os bastidores - Foto: Montagem/NaTelinha
Por Thiago Forato

Publicado em 11/06/2025 às 00:20,
atualizado em 11/06/2025 às 11:25

Homero Salles viveu o apogeu da disputa de audiência aos domingos. O diretor que fez sucesso e marcou história na televisão brasileira relembra com a exatidão quando o "bichinho" do Ibope mordeu ele e Gugu Liberato (1959-2019) nos anos 90. "Para você ter uma ideia como isso perturbou e modificou a vida da gente, eu acho que no segundo mês que a gente já estava ocupando a máquina e trabalhando em função da máquina, trabalhando em função do minuto a minuto", conta.

Essa e outras lembranças vieram à tona em uma longa entrevista ao NaTelinha publicada no YouTube (vídeo ao fim da matéria) e que também aparece aqui em formato de texto. Homero Salles é o sétimo convidado de uma série de 20 entrevistas com personalidades que fizeram ou fazem a história da TV neste mês que marca as duas décadas do site.

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Foram três horas e meia de um mergulho realmente profundo na carreira do diretor. Homero Salles afirma que essa foi a maior entrevista que já concedeu. É também a maior que este jornalista já realizou. E ele me deu diferentes possibilidades de título. Poderia ser algo como puxando para o lado de que Gugu não ter conseguido fazer o Qual é a Música? na Record pelo peso de Silvio Santos ter apresentado. Ou pelo fato do Homem do Baú jamais ter cobrado audiência. Ele focava no retorno comercial. Dentre outras várias manchetes que cogitei.

Ele ainda revela que foi o responsável por trazer o programa Tentação ao Brasil. Respondeu sobre como Gugu lidava com a perda do segundo lugar no SBT em sua reta final na emissora. Salles também narra  famigerada proposta da Record pelo e do loiro pela bagatela de R$ 3 milhões mensais, ando pelos cortes e até sua saída em 2013.

Quem gosta de televisão, certamente não vai se contentar em ler a versão reduzida aqui no site e acompanhará a íntegra de uma entrevista que começou ao entardecer e só terminou no horário nobre.

Confira:

NaTelinha - Primeiro, eu quero saber se você está com saudade de dirigir um programa raiz, ficar vendo Ibope em tempo real, bolando estratégia... Está com saudade disso, Homero?

Muita saudade. E essa aqui é uma maneira de eu matar um pouco a saudade.

NaTelinha - Homero, queria te começar perguntando... Você já dirigiu os mais variados programas, mas tem uma coisa na sua ficha que me chama muito a atenção, é um programa muito pouco falado, que é o Hot Hot Hot. Para quem não lembra do Hot Hot Hot, era um programa que o Silvio tinha aquelas Olimpíadas, época que o Faustão também tinha as Olimpíadas dele. A Globo tentou proibir o SBT de exibir o programa alegando plágio. Quero saber o que aconteceu e como foi dirigir esse programa? Ele não tem a devida importância na história.

Então, vamos lá. Vamos falar do Hot Hot Hot! É um programa que eu gosto muito, que eu gostei muito de fazer. Ele tem uma história grande. Em Miami, existe um apresentador chamado Don Francisco. Don Francisco, inclusive, foi o primeiro a colocar no ar o Teleton, no Chile, que é o país de origem dele. E ele tinha um programa em Miami. Muito divertido e muito movimentado. E o Silvio comentou comigo: 'Homero, você que está começando a viajar, vai lá assistir e depois me conta o que você achou'.

Aí eu voltei, fui, fui até a televisão, assisti o programa do Don Francisco. E aí fica difícil saber quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Os dois são muito parecidos. Don Francisco e Silvio têm uma similaridade. Não diria jamais porque são programas distintos, porque é cópia um do outro, até porque são programas realmente diferentes, de épocas diferentes. As idades não batem e tudo mais. Então, o que tem de similaridade é que ambos são muito alegres, muito comunicativos, os dois têm um carisma incrível, os dois gostam do auditório e se divertem fazendo TV. Algo que parece que sumiu hoje em dia, mas ambos se divertiam fazendo TV. E algumas coisas que peguei desse programa, mais do espírito do Don Francisco.

A música é uma coisa que eu gosto muito, acho que todos os meus programas tiveram músicas marcantes. Tem uma geração aí que quando ouve 'uba, uba, uba, hey!'...

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NaTelinha - Já começa a tremelicar, né?

Já começa a tremelicar. Eu sempre tenho essas músicas. E a música que moveu esse programa era o Hot Hot Hot. Essa música, na verdade, era muito usada em navios de cruzeiro. E o Silvio fez um cruzeiro e veio com essa música, que eu já conhecia do Clube Med, daqui do Brasil, e falou: 'Homero, que tal usar essa música?'. Eu falei: 'Silvio, essa música é o espírito inteiro do programa'. Foi a ideia do Silvio, então.

Na montagem do programa, eu já fui incorporando um pouco daquela história do Caribe. Pedi para o cenógrafo me fazer. Ele desenhou um cenário já com golfinhos, com flores tropicais. Teve uma agem engraçada, porque eu pensava no auditório e falava que eu tinha que casar esse auditório com o programa. E aí fui lá e, por minha conta, sem pedir nada para o Silvio, comprei 200 camisas floridas. Não, não pensem que é caro, não, porque eram camisas boas. Não, a ideia é ousada, vestir o auditório temático assim.

Era Bom Retiro, Barra Funda, e eu tinha que vender a ideia para o Silvio de colocar aquelas camisas no auditório, porque até então o auditório do Silvio nunca teve uma uniformidade. Aí, é gozado, porque a gente tem que ar o visual para o Silvio, para ele comprar a ideia. Aí eu fiz 200 bexigas de gaz hélio...

NaTelinha - Também por sua conta.

Também por minha conta. Coloquei as camisas no auditório, simulando como seria um auditório cheio com aquelas camisas. E o Silvio adorou, até porque as laterais do auditório também tinham, na frente e nas laterais, a temática de Caribe. Bom, para essa equipe de produção, eu nunca tive uma equipe de produção tão bem qualificada como desse programa.

Eu tinha diretores como o Luiz Bento, que fazia Qual é a Música? Eu tinha Alberto Luiz, que fazia programa com as crianças. Eu tinha cinco ou seis diretores de outros programas, que colaboravam para fazer este programa. Eu estava falando com uma régua alta. Sarrafo alto. Eram diretores, cada um deles tinha um quadro. Os quadros eram muito variados. Eu tinha Arnaud Rodrigues fazendo um chinês de humor. Eu tinha entrevistas com pessoas do mundo. meio artístico, político, celebridades. Eu tinha criança no programa, enfim.

NaTelinha - Era um programa aberto, bem variado mesmo.

Muito, muito aberto, muito variado. O Silvio dava uma liberdade muito grande para que se trouxesse atrações.

NaTelinha - Não foi só o auditório que você floriu. O Silvio Santos também usava gravatas floridas. E aí eu ia te perguntar se essa ideia era sua ou ele mesmo vendo o auditório todo florido, ele falou: ' Ah, eu também tenho que usar gravata florida'?

Foi no primeiro dia. Ele veio normal, com uma gravata normal. Quando ele entrou no palco, ele sentiu aquele clima. O camareiro dele. apelido chamado Zé das Águas, virou e falou: 'Zé, vai lá no camarim, vê se tem alguma gravata florida'.

NaTelinha - Nossa, não acredito que tinha. Não é possível.

Óbvio que tinha. Aí demorou um pouco, vamos gravar, vamos isso, mas era piloto, é aquele primeiro piloto que você faz para a iluminação, era o dia que ele brigava com a gente. Brigava no piloto. Era o dia que ele não gosta de nada, que ele dava bronca. E demora, demora, demora e nada. 'Procurei tudo e não tem'.. A essa altura, é o tal negócio, quem trabalha com o Silvio já conhecia, já sabia como eram as coisas, e a essa altura já tinha mandado um produtor até o guarda-roupa no departamento de figurino e falou, olha: 'Revira aquilo tudo lá'.

Fomos no teatro, falei, revira aquilo lá e me traz o que tiver de gravata florida. E vieram várias gravatas. Agora, no segundo programa, ele já trouxe de casa. Não me pergunte de onde tirou. Deve ter mandado alguém comprar na 25 de março.

NaTelinha - E a batalha judicial com a Globo? Você lembra como é que foi isso? Se isso chateou o Silvio?

Então, isso daí é uma outra história que realmente, para mim, foi extremamente edificante, porque eu aprendi muito. O resultado final para o SBT não foi o esperado. Mas existe um japonês, não sei se está vivo ainda, chamado Takeshi, um apresentador da TV Nippon, na época do Nippon TV, que tinha O Castelo do Takeshi. O Castelo do Takeshi é de onde vieram as Olimpíadas do Faustão. Houve um acordo comercial da Globo com a TV e pegaram os quadros, o que é normal, pegaram as tarefas, os quadros de externa, todos eles feitos em ambiente externo, e fizeram as Olimpíadas do Faustão. Mas no Japão já haviam cópias do Takeshi. Eu sabia dessas cópias. Eu sabia que haviam outros programas. Nessa parte externa, eu, Homero, acredito que virou meio lugar comum fazer essas provas.

Ele se empolgou com as provas. E tinham provas muito semelhantes à Olimpíada de Portugal. Bom, a coisa tomou um vulto e uma proporção tal que a Globo sobrevoava com o helicóptero para tirar fotografia. Quando estávamos gravando, a Globo filmava.

NaTelinha - A Globo tirava foto das Olimpíadas de vocês?

Em cima das provas sendo realizadas, o helicóptero da Globo filmando.

NaTelinha - Para anexar o processo?

Para anexar ao processo. E o processo veio. O advogado da Globo era um especialista, na época, em direitos autorais, chamado Dr. Aranha. E essa figura aqui que vos fala era sempre o cara que ia para o fórum.

Na primeira audiência, quando eu vi a materialidade que a Globo tinha, com foto, vídeo, com tudo mais, eu voltei e falei para o Silvio que a gente ia perder o processo. E era uma coisa, por exemplo, que me tirava o sono, porque a qualquer momento eu podia não ter mais as provas. Eu tinha os touros naquele programa, você lembra disso?

NaTelinha - Sim, sim.

Tinha uns touros que eram touros Miura, legítimos. Vieram esses touros da Espanha.

Ex-diretor de Silvio Santos relembra correria por gravata florida e vício de Gugu por Ibope

NaTelinha - Nossa, que trabalho deve ter dado, hein?

Não, imagina o Silvio: 'Eu quero um touro Miura'. Mas, Silvio, esse touro é assassino. Meu Deus! No reino animal, ele só perde pra baleia orca.

NaTelinha - E você era o cara incumbido de explicar isso.

'Homero, veja. A Espanha faz tourada com o touro Miura. Então, nós vamos fazer a tourada com o touro Miura'. E aí você não tem mais o que falar. Simples assim. Bom, e eu apavorado disse para o Silvio: 'O advogado deles é muito bom, esse doutor Aranha, eles têm uma materialidade muito grande e eu acho que a gente vai perder o processo'. O Silvio falou: 'Bom, fazer o quê? Aprende. Presta bastante atenção e aprende tudo que eles falarem para a gente na próxima vez não repetir esse erro'.

NaTelinha - Tem um programa que você dirigiu, que julgo ser um dos games mais bem produzidos no Brasil, o Nações Unidas. Esse programa está no YouTube. Não assisti na época, mas imagino o quão difícil deve ter sido colocar aquilo no ar. Talvez tenha sido o mais trabalho vendo de fora. Aquilo era cinema. Estou falando besteira?

Não, não está, não. Na verdade, esse é o meu segundo programa favorito...

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NaTelinha - Bati certo aqui, hein?

Bateu. Mas o Nações Unidas veio de uma ideia que existe na Europa em que nações competem. Era um formato. Era um formato, tipo Inglaterra contra a França, etc. O mérito nosso foi transportar isso para o Brasil, com as colônias representativas. Sim. Então, o primeiro trabalho nosso foi descobrir quais eram os núcleos étnicos, os núcleos dos países mais fortes distribuídos aqui no Brasil. Então, você chegava, por exemplo, no núcleo japonês, estava em Lins, Marília, você falava de Áustria, você ia para Santa Catarina, os alemães... Os russos em Colônia. Então, nesses estados, eles têm a representatividade forte que guarda tradição, músicas, roupas.

Depois desse levantamento que fizemos, separamos umas 20 etnias, umas 20 nacionalidades. E começamos a elaborar as provas. E aí também teve um trabalho de pesquisa grande, porque era assim, o que o alemão faz quando está competindo? O que ele gosta mais? Ele serra um tronco. O que o grego faz? O grego pula a fogueira. Por que não fazer o alemão pular a fogueira e o grego serrar o tronco?

NaTelinha - Então, peraí, deixa eu entender. Vocês importaram o formato, mas as ideias das provas e o desenvolvimento delas foi totalmente bolado por vocês?

Total. A gente só se inspirou no conceito. Podia ser nação contra nação. Como nós não vivemos na Europa, vivemos no Brasil, mas temos representatividade de todas essas nacionalidades, fui atrás. Treze Tílias, por exemplo, é uma cidade maravilhosa em Santa Catarina.

Então, pegamos as provas típicas e, quando não tinha prova, por exemplo, chegamos até a fazer o sumô para o Japão, mas também pegávamos elementos. E aí eu brincava um pouco no lúdico. Os japoneses comem de hachi. Então, tinham hachis gigantes para pegar um arroz numa tigela e levar para outra. Os portugueses descobriram o Brasil e outros países, dominaram os mares com as caravelas. Então, tinha corrida de caravela cenográfica. Com quatro elementos em cada caravela e correndo.

NaTelinha - Eu imagino que era um programa melhor que o original, então.

Mais bem produzido que o original. Bem mais divertido era, porque esse original era sério.

NaTelinha - Entendi. Vocês mudaram a pegada do programa.

Mudamos a pegada para o lúdico e para a brincadeira. Porque, afinal, esse pessoal que vinha, eles levavam muito a sério. E a gente não queria uma competição pela competição. A gente queria um espetáculo para a televisão. E aí eu tinha o lúdico do meu lado. Aí quando você trazia, por exemplo, as moças mais bonitas, assim como já foi no Cidade contra Cidade, a gente trazia as moças mais bonitas, trazia o cantor, enfim. É o meu segundo programa, a produção dele era incrível.

Eu tive dois quadros que dificilmente alguém hoje em dia faria.

NaTelinha - E olha a tecnologia que a gente tem hoje, Homero. Está mais fácil, hein?

Está muito mais fácil, mas a criatividade... Um dos quadros, por exemplo, era um jogo da memória ao vivo, real. Então, eu tinha dois andares cenográficos no palco. Em cada uma das portas, eu tinha uma menina com traje típico do país. Então, abri a porta 2 e abri a porta 9 aqui, entendeu? Eram 20, 10 em cima, 10 embaixo, no palco isso. E aí abria a porta, elas se mostravam, fechava a porta e a pessoa tinha que adivinhar, formar os pares.

NaTelinha - E muita coisa dava errado nesse meio do processo? Putz, 'vou ter que refazer tudo, de outro jeito, assim não vai dar certo'?

Aí eu vou falar uma coisa que é profunda. Tinha Silvio Santos e tinha Gugu. Se eu não tivesse esses dois, as coisas erradas se tornariam impossíveis de serem feitas. Mas quando você tem um menino como o Gugu, que nunca voltava à cena com ele, fazia a cena de primeira, ok? Merchandising ou qualquer outra coisa, de primeira. Por quê? Tanto eu quanto o Gugu éramos muito melhores no ao vivo do que no gravado. Então nós transportávamos isso para a gravação do programa. Nós não gravávamos 'para, para, para, para'.

NaTelinha - Era ao vivo, porém gravado.

Vamos embora. Está tudo certo, está tudo certo, está todo mundo no lugar, os participantes estão ok. Gravando e vai embora.

NaTelinha - Mas tecnicamente não tinha como fazer aquele programa ao vivo?

Não, eu fiz. Uma boa parte dele eu fiz. Um dia, o Gugu foi viajar e perdeu o avião. E aí ele me liga. Isso foi no Cidade Contra Cidade. Eu tinha duas cidades no palco. Eram 200 de cada cidade. Eram 200 de cada cidade. Eu tinha todo mundo nas externas para fazer as provas. E eu não tinha apresentador.

O prejuízo deles voltarem era muito grande porque corri o risco deles nem voltarem mais. Com aquela decepção, com 200 pessoas que vieram de ônibus fretados, etc. O que eu fiz? Esse programa tinha as provas finais. E nas provas finais tinham cinco, seis participantes. Que era o intelectual, o quiz, tinha que fazer as respostas. Eu segurei esse pessoal. Fui para o palco, fiz a parte do Gugu, realizou as provas. O Gugu chegou no dia seguinte e fez a prova final do programa. Foi para o ar e até hoje você não vai achar qual é esse programa, porque ele não difere nada dos outros. Então, dava para fazer sim ao vivo quase todos os programas. Quando a gente tinha programa gravado, era mais uma questão, por exemplo, de custo, porque o ao vivo é muito mais caro.

Estamos falando de final de semana, que envolve hora extra, que envolve isso. E a produção nossa naquela época era muito grande, O Silvio Santos ali na Otaliba Leonel, fazia três programas diferentes por dia. Ele fazia um de manhã, ia fazer o lanchinho dele no camarim, trocava todo o cenário, ele fazia outro programa, e à noite um terceiro apresentador ia fazer o terceiro programa, entendeu?

NaTelinha - Mas o Nações Unidas, Homero, você acha que o sucesso dele não foi proporcional ao esforço que vocês tiveram e ao esmero que ele tinha? Porque ele não teve mais, né?

Não, com toda certeza, os dois primeiros programas no meu ranking não deram ao dia. Um deles foi o Nações Unidas, e o programa que eu mais pude inovar, e eu estava fora até da época, chama-se Play Game.

O Play Game fez realidade virtual quando não existia essa palavra.

NaTelinha - Pois é, agora está na modinha aí, mas naquela época era pioneirismo.

Não, a palavra não existia, Olha que profundo. Era muito louco. Ninguém falava essa palavra, a realidade virtual não tinha. Na verdade, nós tínhamos aqueles jogos, primeiros games eletrônicos, e aqui no Brasil. Aí, eu não lembro o nome da empresa. Era uma empresa que fazia esses games.

NaTelinha - Era a Tectoy, não era?

Tectoy. Era a Tectoy. E a Tectoy, o carro-chefe dela era o Sonic. E eu fui conversar com o pessoal se eu podia retirar só o bichinho do jogo, do game, e podia colocá-lo num chroma key. E eles disseram que sim, era possível.

Até que Tectoy fez isso. Hoje em dia você faz isso com uma inteligência artificial em 15 minutos. Até que Toy levou dois, três meses para desenvolver isso. Então, tinha algumas partes do game que eu conseguia reproduzir no palco com chroma key. A criança ia olhando na televisão, ia batendo assim com a mão. Na edição final, ela estava matando monstrinho, entendeu? Esse daí, para mim, é o meu número um. É o meu xodó pela inovação, pela inspiração que teve esse programa. Pelo desafio.

A minha redatora desse programa hoje é a vice-presidente de conteúdo da Warner Discovery, a Mônica Pimentel.

NaTelinha - A que você atribui a baixa aceitação do Play Game e do Nações Unidas?

No Play Game não, no Play Game o erro foi meu e foi um erro primário, primário, primário. Ninguém tinha ainda a cultura do game eletrônico. Eu fui olhar na bolha e não vi o resto, entendeu? Era super elitizado.

NaTelinha - O pobre não se identificava com aquilo.

Não, o erro foi meu. Um erro de avaliação minha. O Nações Unidas é inexplicável. Eu acho que no caso do Nações é inexplicável mesmo, porque o programa era muito bom. Muito bom. Eu te digo que se ele entrar hoje em qualquer televisão, eu tô na ponteira. Não estou em segundo, terceiro lugar, não. Estou na ponta. Eu acho que ele combina com o streaming.

NaTelinha - A Netflix tem os games que eles produzem muito nessa pegada e tal, que eles fazem um negócio Hollywood. Eu acho que daria super certo.

Veja por você, por mim, pelo teu vizinho, todo mundo é descendente de alguma sociedade. Tem na família, entendeu? Então, é lógico, quando você vê um programa desse, teu lado italiano vai torcer, ou teu lado alemão vai torcer, enfim. Ele tem muitos elementos para dar audiência, e na época a audiência não correspondeu, não foi tão grande. Fizemos uma temporada só, demos um prêmio muito bom, que era um ônibus para a comunidade, e acabou por aí.

NaTelinha - O Gugu ficou decepcionado também com a aceitação?

É uma frustração muito grande, imagino, para todo mundo. Então, só que nessa época, a nossa frustração levava um dia, dois dias. Porque o Ibope ainda não era minuto a minuto. Aí você tinha que esperar o relatório, etc, pra você ver o que aconteceu. E a gente sempre com o pezinho atrás, né? Porque o que você tinha de na rua, não era o que o número estava apontando.

Fica simplista eu falar 'pessoal da rua', mas estou falando das afiliadas também. Estou falando de Belém, o programa explodiu em Belém. Em Curitiba tivemos uma audiência recorde. Era muito rudimentar essa parte de audiência. Ficava mais restrita às grandes praças. Tinha poucas praças nessa época, mas você tinha o . Você sabia que o programa era um pouco mais do que aquele número estava mostrando, entendeu?

NaTelinha - Mas a audiência dele não era um pouco mais qualificada?

No caso do Play Game, sim, no caso do Nações Unidas eu acho que não. As brincadeiras eram muito populares. Eram muito bem produzidas, eram muito boas. E como eu te disse, eram lúdicas, então o lúdico é o lúdico.

NaTelinha - A Globo lançou um programa faz pouco tempo, não sei se você lembra, provavelmente sim, porque você acompanha a televisão até hoje, que tinha um conceito do lúdico também, que foi o Zig Zag Arena, que foi um fiasco, né? Você lembra desse programa?

Tem que tomar cuidado, porque o que é a dose certa do lúdico? Por exemplo, Viva a Noite foi o primeiro programa que deitou e rolou no lúdico. O meu lúdico era felliniano. O Viva a Noite era puro Fellini. Eu tinha um anão, que hoje nem pode falar anão, é uma pessoa prejudicada verticalmente... Estou falando sério, não estou nem rindo.

Tenho que escolher as palavras hoje para não ser politicamente incorreto. Mas vamos dizer que ele era uma pessoa com nanismo e ficava na cabine com as pessoas dançando. Aí eu tinha o cantor mascarado. Aí eu tinha, de repente, na plateia estava sentada uma girafa. E as bailarinas estavam vestidas de não sei o quê. Era Fellini. Esse programa era Fellini. O Viva a Noite era Fellini. Durante um bom tempo, o meu referencial era Fellini. Eu tinha muitas figuras inspiradas em Fellini.

NaTelinha - Eu vou pedir para você contar a história do Viva a Noite, Homero, porque eu assisti o documentário do Gugu no +SBT e vi você contando lá. Vou te pedir pra contar pra nossa audiência porque ela é genial. O programa foi a grande catapulta da carreira não só do Gugu, mas também imagino que da sua.

Total, total. Em 1981, eu estava fazendo Miss Brasil. O Gugu fazia uma ponta num programa chamado Alegria 81, era um humorístico. O SBT contava com dois humorísticos na época, o Reapertura e o Alegria 81. E o Gugu fazia algumas pontinhas no Alegria 81 como repórter de rua. E eu fazia o Miss Brasil. Ele já estava se livrando daquela marca do Sessão Premiada, que foi onde ele começou mesmo no SBT, e ele querendo dar outros voos. E nós dois éramos produtores.

Na verdade, o nosso crachá era produtor, o meu e do Gugu. Dizia o de função. De função. E aí, fazendo o Miss Brasil, o Silvio me chama, falou assim: 'Homero, vai vir uma diretora argentina, o nome dela é Nelly Raymond'. Eu já trabalhei com ela, porque ela fez Sinos de Belém comigo, que era um programa da Argentina chamado Campanas de Cristal, que ela fazia com o marido. Mas ela está vindo porque falou que tem uma ideia. 'Eu vou ver qual é a ideia e te chamo'.

Ela me disse que tinha ideia de um programa que seria dividido em três partes. Uma delas seria um festival permanente da canção latina, sul-americana, latina, que ela ia comandar nos outros países. E nós faríamos um ranking semanal de como estavam os três, quatro, cinco, 10 primeiros lugares da música na América Latina. Brasil, Argentina, Uruguai, etc. E que precisava de um apresentador para esse segmento. O outro segmento era muito ligado em esoterismo. E ela falou que ia fazer um quadro de misticismo.

O primeiro ia se chamar Festival Permanente da Canção. Esse segundo, ela falou, vai se chamar Noite de Mistério. E vamos só falar de esoterismo.

Ex-diretor de Silvio Santos relembra correria por gravata florida e vício de Gugu por Ibope

NaTelinha - Numa época que não se falava disso na televisão, eu acho.

Pouco, muito pouco. Era meio tabu. Eu fiquei meio assim, porque confesso que não é minha praia. Mas soldado não escolhe as suas batalhas. E o terceiro, eu gostei muito, era um festival de dança. Ela falou assim, aí podemos colocar lá o tango, funk, break. Isso daí eu comando bem. Falei: 'Bom... Como fazemos?'. Ela falou para chamar o Adhemar Dutra, uma pessoa bem conhecida da televisão.

Ele começou com o Silvio em rádio e acompanhou o Silvio durante muito tempo. Ele era diretor de produção. E nada mais justo, ele também era de vídeo, nada mais justo do que dar para ele, porque isso ia abrir um monte de portas para a gente na produção. Então, o Festival Permanente da Canção, Adhemar Dutra. Ela falou: 'Homero, vou para a Bahia. E lá na Bahia eu vou descobrir o apresentador'.

NaTelinha - Ela ia achar o apresentador na Bahia?

Na Bahia. Ela ficou um mês na Bahia.

NaTelinha - Mas por que na Bahia? Tem algum motivo específico?

Ela faleceu, e a gente teria que perguntar para ela. Depois de um mês na Bahia, e naquele tempo não tinha economia não, era hotel de primeira linha...

Nelly na Bahia, tudo bem. Mandamos para lá e ela ficou. 30 dias depois, ela me liga e fala assim: 'Já achei'. Eu falei: 'Yes, quem é?'. Ela falou que era o Jair de Ogum. Mas eu falei: 'Espera aí, Jair de Ogum é do Rio'.

'Sim, é do Rio, mas aqui todo mundo fala dele'. Aí já tinha os dois apresentadores, Adhemar Dutra e Jair de Ogum. E o terceiro, que era para as danças. Ela não ligava muito para esse segmento. Ela gostava do misticismo, ela gostava do Noite de Mistério. Tanto é que o Festival Permanente da Canção não durou três meses, porque não tinha verdade naquilo. Noite era Mistério era o xodó dela.

Para ter esse apresentador do terceiro segmento, se cogitou em várias pessoas, Paulo Barboza, o próprio apresentador do Reapertura, uma série de nomes foram aventados. E o Gugu, que era meu amigo, nós saíamos juntos, íamos para o barzinho, compartilhávamos. E eu queria muito que ele fizesse. E achava que essas fitas que ele tinha, que seria do Alegria e do Sessão Premiada, era pouco para mostrar para ela. Aí calhou de ter um Miss Brasil. E no Miss Brasil tinha os convidados que desciam com as Misses pelo palco.

E o Gugu tinha participado disso. E, na época, o Gugu falou: 'Homero, mas será que vão me reconhecer? O Silvio disse que não. Eu tinha a lista lá dos convidados, eram 12, e, quando botei Gugu, ele tirou. Falou: 'Não, não, não. Muito pouco'. Era só Sessão Premiada. Ele falou: 'Não vão reconhecer. Não vai dar certo. Pega outro'. Amigo é amigo. Eu fui empurrando, empurrando, empurrando. Faltavam duas semanas, três semanas e ainda não tinha fechado os 12 porque eu tinha o lugarzinho.

Bom, no final o Silvio fez uma aposta comigo, Thiago. E nós apostamos 100 dólares. 'Você é teimoso, vamos colocar o Gugu, mas não vai dar resultado'. Eu falei: 'Vamos apostar? Vamos'. Eu não podia perder 100 dólares.

O que eu fiz? Como eu sabia quais eram as torcidas que viriam para as misses, eu sabia que vinham quatro ônibus de Santa Catarina. A Miss Santa Catarina era do mesmo tamanho do Gugu. Era loirinha, de olhos verdes, era o par perfeito. Os dois juntos, o príncipe e a princesa. Eu falei, vou colocá-lo junto com essa menina para captar aquele público que a menina vai ter. Então, os quatro ônibus de torcida dela iam fazer peso, além do fato da menina ser bonita. E aí tinha uma cambota, uma cambota é de onde você solta o convidado no fundo do palco.

Aí descia, esperava aqui na frente. Ele dava um buquê de flores, dava a mão e eles desciam as escadas. Eu estava lá atrás dessa cambota. Gugu numa mão e a Miss Santa Catarina na outra. Não sei te contar o que aconteceu. O apresentador Augusto Liberato da Sessão Premiada não entrou... Fazendo força para entrar e eu segurando. Com a Miss Santa Catarina, eu soltei a Miss e ele ao mesmo tempo. É óbvio que o aplauso foi para ela. É, claro, claro. Estrondoso. É truquezinho de produtor. Aí, só olhei de lado para o Silvio e falei: 'Me deve 100 dólares'.

NaTelinha - E ele te pagou ou não?

Pagou. Tirou na hora. Eu apostava muito com ele. Ele adorava isso. Eu acho que ele achava que me incentivava. Enfim, me incentivava mesmo.

NaTelinha - Você acha que hoje tem apresentadores que são sufocados pela direção e você percebe que ele está querendo ir para um lado, mas você com a sua experiência, com o seu olhar clínico, você vê que ele não está conseguindo ir?

Tem. Não gostaria de citar nomes, é óbvio, é questão ética, mas você tem, por exemplo, pessoas que não são apresentadores, estão apresentadores. Há uma diferença muito grande. Se você pegar um ator, o ator vai fazer o papel de apresentador, o que não significa que ele seja apresentador. Se você pegar um influencer, o influencer pode fazer o papel de apresentador, sem ser um apresentador. Vai fazer mal, mas vai fazer. É um terreno bem delicado. No interior a gente chamava de sustância. Tem que ter sustância para você ser um apresentador.

Isso vem da pessoa. Não tem faculdade. Imagina quantas pessoas viraram para mim e falaram: 'Homero, 40 e tantos anos com o Gugu, você podia me transformar em apresentador?' Eu caio na risada. Pior que as propostas financeiras foram boas. Mas eu tenho que rir, porque não vou conseguir nunca.

NaTelinha - E gente conhecida que já te procurou pedindo esse auxílio?

Não, os conhecidos já me procuraram para pedir projetos, programas. Agora, as pessoas que querem do zero serem apresentadores, é muito difícil, Thiago. Tem que ter um background.

NaTelinha - Você dirigiu muitos formatos, mas o Domingo Legal era um programa que não tinha um formato fechado. Você podia colocar qualquer coisa nele. Aliás, pode ainda porque o programa existe e faz sucesso. Então, como é que vocês observaram a necessidade de ter um programa desse tipo no domingo? Foi o Faustão que trouxe essa necessidade do SBT? Como é que ele foi encomendado e como ele foi pensado na verdadeira concepção dele, se é que você tem esses detalhes?

A sequência de programas do Gugu no domingo foi a seguinte. O primeiro programa que ele fez foi Cidade com Cidade. Formato. TV Animal, Domingugu.

Ex-diretor de Silvio Santos relembra correria por gravata florida e vício de Gugu por Ibope

NaTelinha - Teve o Big Domingo também, não teve?

Big Domingo. O próprio Play Game. E aí, Eu e o Gugu tínhamos como referência o Viva Noite. A gente sabia que era muito bom fazendo o Viva a Noite. O Viva a Noite é um fenômeno, em vários aspectos. E a gente sabia disso. Mas não dá para fazer mais o Viva Noite. E se a gente fizesse um Viva Noite de gala? Se a gente fizesse um Viva Noite com toda a essência, o DNA do Viva Noite, mas sem ser o Viva Noite. Esse é o Domingo Legal. Se você pensar, o Domingo Legal começou com convidados também, três e três.

NaTelinha - Sim, sim. E foi assim por um bom tempo, né?

Teve um programa nesse meio entre o Cidade do Gugu no domingo e o Domingo Legal que foi muito forte, que foi o Corrida Maluca. Você pega, por exemplo, o quadro icônico do Domingo Legal, que foi a banheira. A banheira veio de um quadro bobinho do Corrida Maluca, onde a família maluca tinha que entrar com o participante numa banheira para pegar sabonete. Ali eu o levei para o palco. Entendeu? E houve aí uma grande confusão com o Silvio, porque a banheira, quando começou, era uma banheira, e aí ela foi se transformando, era que nem um Pikachu. Começou a transmutar aquilo ali. Ela começou bem pacata, era um convidado mulher, um convidado homem, e disputavam o ponto achando o tal do sabonete.

Então, o Mariano, que era o o diretor de casting, nos três convidados celebridades, já colocava alguém que se dispusesse a entrar na banheira. E, quando começou a tomar corpo, o Silvio me chamou e falou que aquele quadro – não vou dizer que estaria mentindo - porque ele falou que a 'minha mulher reclamou', mas estão reclamando muito daquele quadro. E eu falei que fazia parte do programa. É uma disputa. E aí fui usar um exemplo.

Eu viajei na maionese e falei: 'Você não pode levar uma revista de mulher pelada para casa, mas você pode levar a Playboy. Porque tem entrevistas. Está dentro do contexto'.

NaTelinha - Ele foi convencido por isso?

Foi, foi convencido por isso. Como está dentro da disputa, em casa, você está com o teu filho, com a tua filha, você aceita, porque está disputando o ponto. 'Mas estou de olho, hein, Homero?' Só que aí ele foi tomando vida própria. No final, ela tinha totalmente vida própria. Transcendeu o próprio programa. Aí você criou um monstro que não dava para segurar.

NaTelinha - Um parêntese aqui. Lembrei daquele série do Star+ em que tem uma cena que o próprio Silvio tem a ideia da banheira enquanto vê a família brincar lá. A série mescla muita ficção, mas só queria que você falasse sobre isso rapidamente, não sei se você chegou a assistir...

Eu não vou te dizer que eu consegui assistir inteiro aquilo lá. Porque é tão fora da realidade, é tão ficção. Não vou tirar o mérito, acho que a pessoa tem o direito de fazer, fez, mas não tem nada a ver, nenhuma. Só tem que ficar explicado que é ficção. E você tem que encarar aquilo como divertimento só. Dá risada e fica por isso mesmo.

NaTelinha - O Domingo Legal começou gravado, mas cerca de um ano e meio depois, se tornou ao vivo. Por quê? Quem percebeu essa necessidade?

O que tem de verdade? Porque tem várias versões, então eu vou tentar estabelecer o que realmente aconteceu. Quando ele entrou e entrou gravado, o Gugu não gostou.

NaTelinha - Sério? Essa história eu nunca ouvi.

Em cima daquilo que eu te falo de o Gugu não ser o cara do gravado, ser o cara do ao vivo. Ele não gostou, ele fazia, mas ele não gostava. Eu não estava dirigindo o começo do Domingo Legal, era o Magrão. O Magrão sempre teve uma tendência, o Magrão se dava muito bem com musical. O forte do Magrão era a parte musical. Cantores, gravadores, dominavam essa parte. E o programa estava com bastante musical.

Já tinha tido aquela experiência de Sabadão Sertanejo. E o Gugu estava tentando se desvencilhar um pouco disso. Não é um público fiel. Nós tivemos um problema muito grande com o Menudo, que originou Dominó, que originou Polegar, e depois esse público abandonou a gente e perdemos o público que tinha anteriormente conquistado. E o Gugu estava vendo que este caminho para o Domingo Legal não seria o certo. Aí eu me reuni numa sala, independente do programa, o Magrão estava tocando o programa, eu me reuni numa sala com Mônica Pimentel, Marcos Andrade, uma equipe assim de primeira, mas uma equipe muito boa mesmo, Galvão França, uma equipe boa.

E eu estava numa espécie de ministério paralelo. Eu era um ministro sem pasta, um diretor sem programa. E naquela sala, foram boladas coisas que até hoje são copiadas. Naquela sala nós bolamos o Gugu Na Minha Casa, nós bolamos o Telegrama Legal, nós bolamos o Helicóptero do Gugu, o célebre helicóptero que jogava as paradinhas. Todos esses quadros foram montados. E aí estabelecemos uma data para o Gugu ar para o ao vivo. E quando mudou do gravado para o ao vivo, entraram esses quadros. O que deu uma transformação inteira no programa. Estou resumindo. Pode ter um mês a mais, um mês a menos. Mas o cerne é esse.

O Gugu não queria que o programa fosse para esse lado somente musical. Pediu que elaborasse esses quadros. Eu pedi um tempo. Explicamos para o diretor o que estávamos fazendo e elaboramos. Eu trabalhava muito com os redatores em cima disso. Bom, quando nós entramos, tiveram quadros que já explodiram. Uma referência enorme que tem até hoje é o próprio Táxi do Gugu. O Táxi, inclusive, tem uma história muito interessante.

NaTelinha - Pois não, estamos aqui para isso!

A Globo tinha um filme no domingo que antecedia o Faustão. Normalmente ava com ótimos índices. Você está no final do filme, você está com uma audiência boa, o Faustão já pegava lá em cima e já botava vídeo cassetada, botava alguma coisa que prendia o pessoal. Nós tínhamos que quebrar isso. E o quadro mais forte que eu tinha era o Táxi. Então, como fazer com que o Táxi tivesse relevância nessa quebra? Quando a Globo anunciava o filme, ela anunciava segunda, terça-feira, já estavam as chamadas do filme. Eu pegava um produtor que ia numa locadora de vídeo e alugava o filme. Aí ele levava a fita VHS para a televisão e eu fazia um time code reverso.

Tinha um assistente que ficava o programa inteiro só no aparelho, rodando a fita, dando pausa quando era break ou quando a Globo. Se tivesse feito algum corte para poder ajustar exatamente o horário que ia acabar o filme...

NaTelinha - Meu Deus, isso não existe mais, cara.

De jeito nenhum. Aí eu tinha esse time code preciso. Um dos estagiários que fazia isso para mim é o atual diretor de programação da Record, Marcelo Caetano. Era meu estagiário na época e um dos que ficava lá apertando o botãozinho para sincronizar o filme. Então, como eu sabia exatamente quando o filme ia acabar, o filme da Globo acabava e entrava a música do Táxi.

NaTelinha - Já para pegar a migração mesmo, né?

E eu pegava a migração. Tanto é que uma peculiaridade nossa era nunca ter um quadro com uma abertura grande. Mas o Táxi não. O Táxi tinha um minuto e meio, dois minutos de abertura. Com caracterizações do Gugu, com cenas de táxi, etc. Que era exatamente para puxar. E aí você olhava no minuto a minuto e aquela curva que já existia e vinha aquela curva. E ava para a gente. E o Fausto pegava mais baixo. Claro que depois ele aumentava por ser Globo, pelo poderio da Globo. Mas perdia também. Eu acho assim, era muito difícil competir em pé de igualdade. Não por talento, não por qualidade e muito menos por criatividade. Modéstia à parte, a nossa criatividade não deve nada para ninguém. O que eu tinha naquela época, os talentos que eu tinha, ninguém faz TV sozinho, eu tinha produtores e diretores extremamente talentosos, mas eram 24 horas de esforço meu e do Gugu, porque a gente vivia isso.

Naquela época, eu descia caminhão do céu. Eu fazia coisas que não existem mais. Eu construí casas de 800 mil reais em 15 dias. Aqueles sonhos que a gente fazia, desde sonhos malucos até Construindo um Sonho, acabou.

NaTelinha - Por quê?

O mercado fechou agora, o mercado não circula. Não circula o que circulava naquela época em termos de investimento. Por outro lado, as produções hoje não têm essa necessidade, conseguem até com menos esforço. As produções que eram pequenas se tornaram gigantes, e nesse gigantismo você se perde um pouco, se é que você me entende. Sim. E a bem da verdade, aqui vai uma crítica para a produção, não uma geral...

Hoje em dia é muito difícil você achar pessoas que vistam a camisa, que se entreguem para a televisão. Não estou falando para aquele programa. Não quero que alguém que esteja assistindo a gente fale assim: 'Pô, Homero, eu visto a camisa do meu programa'. Não, eu sei que você veste. Estou falando de uma maneira geral à televisão. A televisão era um lugar encantado. Todo mundo que trabalhava lá fazia parte de um encantamento. Hoje a televisão é mais uma empresa de trabalho. Hoje você não entra na televisão sem você ter um DRT. Para você ter um DRT, você precisa ter cursado uma faculdade de rádio e TV. Eu não tenho. Eu não tenho curso superior.

NaTelinha - Hoje você não entraria, então?

Não, não entraria.

NaTelinha - Olha aí o profissional que a televisão perderia.

Para você ter uma ideia, na nossa época universitária de uma produção do Silvio Santos, 'vamos botar 100 pessoas na produção do Silvio Santos', não tinha 10 universitários. 10, 15 universitários no máximo. Então mudou. Quando eu falo vestir a camisa, por favor, não me interpretem mal. Eu sei que o profissional veste a camisa do programa, mas a TV como um todo não dá mais essa condição para ele. É onde, por exemplo, eu vejo as reportagens, iro muito as declarações da Daniela [Beyruti], que quer resgatar o DNA do SBT. Eu vejo muito, por exemplo, essa vontade no Johnny, na Bandeirantes, dele querer ainda fazer uma televisão raiz.

NaTelinha - E você acha que eles estão indo por um bom caminho?

Eu acho. Eu trabalhei lá na Band por um tempo. Eu acho que é uma televisão com potencial enorme, enorme, enorme, enorme, enorme, enorme! E tem as suas amarras. Tem as suas amarras. Algumas dessas amarras, eu acredito que em por programação. Eu sou bocudo, até hoje eu eu falo. Mas é bater em pedra dura, porque se você tem, por exemplo, uma amarra como a Bandeirantes tem, que é um horário religioso, no meio, você tem que fazer o impossível para poder chamar pessoas para assistir a tua TV, entende? O trabalho deles é hercúleo. E aí você tem que entender que precisa de dinheiro, que precisa fechar uma conta no final do mês.

Essas amarras da Bandeirantes são as mesmas amarras dos outros canais.

NaTelinha - Queria voltar um pouco e saber sua análise da razão do Gugu ter feito aquilo que o Silvio Santos não conseguia mais: ser líder de audiência. O que o Gugu tinha e que o Silvio já não tinha mais, ou não conseguia mais oferecer para aquele público? Entende o que eu quero dizer?

Entendo. Eu acho que são duas coisas distintas. O Gugu queria audiência. O Silvio, quando teve audiência, foi uma consequência natural para ele. O Silvio não se preocupava com audiência. Depois que eu falei isso agora para você, vão aparecer mil vozes me contradizendo e dizendo não. E eu continuo dizendo e afirmo. Era relativo para o Silvio a audiência.

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NaTelinha - Verdade? Caramba, essa é uma baita revelação, Homero...

A minha testemunha, infelizmente, não está mais conosco, que é o Gugu. Mas não foi nenhuma, nem duas, foram dezenas de vezes que o Silvio falou uma frase. Você está sentado, não é?

NaTelinha - Estou. Será que eu ia cair? (risos)

Cuidado pra não cair da cadeira.

NaTelinha. Putz, vou me segurar aqui, então...

Eu vi dezenas de vezes o Silvio virar e falar assim: 'Ô, Homero, se der mais do que 12, você só está dando isso para o patrocinador. Para mim, 12 é o suficiente'.

NaTelinha - O Silvio falava isso para você?

Mas não foi uma ou duas vezes. Principalmente quando a gente reclamava de troca de horário. Porque quando eu estava ótimo no horário, vinha uma ordem para mudar o horário.

NaTelinha - No fundo, por que vinha essa ordem para mudar o horário? É verdade que ninguém podia dar mais audiência que ele?

Eu sou muito inocente. Não sei, não sei.

NaTelinha - Não sabe?

Quando eu ia defender essa história da troca de horário, eu falava: 'Silvio, eu vou cair'. 'Mas quanto é que você está dando? Porque eu estou dando 16, 18. A Globo está dando 20. Eu estou encostando'. 'Bobagem, Homero'.

'A média da TV é 12. O que você der a mais é para o patrocinador. Não interessa para mim essa audiência'.

NaTelinha - O pessoal vai desacreditar disso, Homero.

Eu estou com 73 anos. Acho que não tem motivo nenhum para mentir com 73 anos.

NaTelinha - Que loucura!

Mas não é loucura. O problema é que não é loucura. Existe uma média da emissora que você pode vender. A régua da Globo para vender é esta. A régua do SBT é esta, da Record é esta, da Band é esta. Da RedeTV!, vou ter que olhar para baixo. Você entendeu? São réguas diferentes. Não adianta. Não adianta. Se você quiser fazer uma coisa que dê mais do que 5 pontos de media antes, você vai ter que estar transmitindo uma final de esporte.

Então, quando o Silvio diz, isso daqui para mim não interessa, você está dando só para o anunciante, é porque os meus 18 ele não faturava em cima.

NaTelinha - Mas e aquela conversa de que o Silvio tirou aqueles novelistas da Globo, quis investir em novela pra tentar bater a Globo, investiu em futebol. O que estava por trás disso?

Olha, até onde eu sei, até onde eu acompanhei, a história começou ali com o Benedito Ruy Barbosa. E deu para trás. Isso deixou o Silvio muito, muito chateado. O Silvio não é de processar pessoas, nunca foi de processar pessoas. E o Silvio falou: 'Vou até o fim com o Benedito, porque ele se comprometeu, porque ele falou, porque isto, vou obrigá-lo a fazer a novela'. Eu falei: 'Silvio, a pessoa vai escrever forçado?' Não tem mais isso. Ele ficou muito chateado.

Foi um embrião e foi uma decepção muito grande do Silvio com o Benedito Ruy Barbosa, que se tornou um processo, nem sei como é que terminou esse processo, mas se tornou um processo e eu acompanhei muitas reclamações do Silvio.

NaTelinha - E como ele reagiu com as lideranças do Domingo Legal?

Nada, nada, nada, nada. Na primeira vez se ele falasse: 'Parabéns, tá indo muito bem de audiência'... Eu peço aumento. Se ele falasse isso pra mim, a minha reação seria pedir aumento. Ele nunca deu parabéns, nem pra mim, nem pro Gugu, por audiência. Por audiência nunca. Por outras coisas, sim. 'Gostei que vocês fizeram o negócio bem feito ali'. Agora, primeiro, ele dizia que não assistia o nosso programa. De vez em quando vinha alguma coisa, ou para dar respaldo, para dar uma bronca do tipo: 'Eu estava fazendo esteira e vi um pedaço'.

Ele se dava o direito de cobrar o retorno comercial. Nunca de audiência. Se eu te falar que ele cobrou um dia, um dia, audiência do Gugu, não é verdade.

Ele nunca cobrou. Talvez seja esse um dos motivos da gente ter mais desespero, mais vontade, mais estímulo, tudo para dar, para dar, para dar. Porque o ser humano é o ser humano. Eu sempre disse assim: 'O contrato longo para mim era prejudicial'. Eu não podia ter contrato de quatro anos no SBT. Os melhores tempos meus eram quando era contrato no máximo de dois anos. Te estimulava mais. No primeiro ano eu já começava a achar que ia ser despedido no final. E voava dois, três metros acima do que eu já estava voando. Tive esse problema na Record, o contrato era de oito anos. Esse foi um dos motivos do Silvio não ter segurado o Gugu no SBT.

Essa história, todo mundo fala dinheiro, dinheiro, dinheiro, não é verdade.

NaTelinha - Foi a estabilidade?

Vou te contar a última conversa minha com o Silvio sobre isso. Eu estava com a minha família, o Gugu estava com os filhos dele, nós estávamos almoçando num restaurante. É um restaurante bem familiar, tem uma árvore grande, que nem a figueira, que as crianças brincam. Nós estávamos almoçando lá no sábado, devia ser 13h30, 14h e pouco. Toca o meu celular, era o Silvio. Isso depois de um mês de negociações. O Gugu não saberia dizer não para ele jamais. A proposta já tinha sido feita pela Record, embora não tivéssemos assinado. Era impossível o Gugu recusar, eram 3 milhões por mês, todo mundo sabia disso, mais premiações e tudo.

Tocou e telefone e perguntou se eu podia dar um pulo na casa dele no Morumbi. A Renata, filha número seis, é minha testemunha. Ela vai lembrar. O Silvio virou pra mim e falou: 'Vamos falar de números'. 'Qual é a proposta mesmo?'. 3 milhões de reais. Perguntou se tinha premiações, mas que eram gatilhos fortes e praticamente inatingíveis, porque envolveria estar em primeiro lugar. Os gatilhos eram pra não pagar mesmo.

Nesta época, eu era o gestor da verba. Por que eu era o gestor da verba do programa? Porque nós dividíamos despesas e receitas. Éramos sócios. Nós fomos os percursores disso. Porque ele cortou os merchandisings do Gugu em contrapartida. Ele ofereceu a sociedade. Corta-se a despesa. O lucro divido em dois. E é óbvio que eu tinha que economizar e fazer o programa. Claro. Não dá para botar um economista ali no meu lugar porque ele ia só cortar. Eu tinha que estar dos dois lados com o jogo de cintura para poder fazer a gestão da verba. E era uma verba grande. Nós estamos falando em 6 milhões por mês ou mais. Era uma verba muito grande.

Aí ele falou: 'Homero, você tem os números aí? Qual mês o Gugu ganhou mais?'. Falei: 'Olha, Silvio, normalmente é o mês de dezembro, porque somam-se os merchans. Junho e julho são bons, mas novembro e dezembro são os melhores meses. Ele perguntou o melhor mês e eu tinha o número: 2,3 milhões de reais. A oferta da Record era 3. Ele perguntou: 'Pode ter algum número nesse meio?'. Falei que sim. O Silvio ama isso. O SBT até hoje é a minha casa e era a casa do Gugu, nós fomos criados lá. Nós fomos crias do Silvio.

E o Silvio queria saber o melhor mês para poder fazer uma proposta de negociação. Na conversa com o Silvio, a coisa foi se encaminhando para 2,5, milhões ou 2,6 milhões, que era algo que nós aceitaríamos. É o meio termo. Porque 2,3 milhões era o que o Gugu ganhava dois meses por ano, só. Se você fechar a média do ano, não dava isso.

Eu ia ar para o Gugu. E dizendo, ok, Silvio, tem negócio. Porque eu já tinha negociado os 3 milhões com a Record. Fui eu e Paulo Franco. Eu pelo Gugu e Paulo Franco pelo Bispo Honorílton. Já estavam negociados os 3 milhões. Mas se naquele sábado o Silvio falasse 2,5 milhões, eu garanto que tinha negócio. Eu ia direto para o Gugu, porque o Gugu não queria sair. Ele estava saindo pelo valor.

NaTelinha - Era o dinheiro que seduzia ele?

Nós somos profissionais. E era isso que ia acontecer com a gente. Aí foi onde o bicho pegou.

NaTelinha - Não tinha nada incomodando o Gugu? Por exemplo, ele tinha cenários grandiosos nos anos 90, 2000, mas se você pegar o último programa de 2009, via um cenáriozinho pequeno, plateia pequena... Os auditórios parece que encolheram... O programa não vinha tendo sua importância diminuída pelo SBT?

Eu rebateria. Eu não concordo, eu te diria o seguinte, aquele público era o mesmo, o auditório sempre foi o mesmo. Era o do Silvio, o do Gugu, era sempre aquela quantidade. O cenário que nós tínhamos no SBT praticamente foi o cenário que a gente estreou na Record. As disposições das tapadeiras, aquele fundo que abria, etc., é o mesmo. A gente não mudou muita peça. Não estava incomodando. O Gugu se sentiu incomodado quando perdeu os merchandisings.

Havia uma máquina por trás para vender esses merchandisings. E o Silvio cortou de um dia para o outro.

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NaTelinha - Alguma explicação para isso?

Novos tempos, reclamação do comercial de que havia uma concorrência, que eles tinham um preço e nós dávamos outro preço. Uma série de fatores. Silvio é o dono. Aí que ele fez a proposta da sociedade e o Gugu aceitou. A única vez que o Gugu se sentiu incomodado no SBT foi no corte dos merchans.

Mas nós tínhamos as mesmas condições, a produção tinha dinheiro para trabalhar, fiz gastos enormes, compatíveis com os gastos que tive depois na Record. Não foi esse o problema. Tenho que voltar naquela reunião para te dizer onde pegou.

Então, voltando para aquela sala onde o Silvio insinuou que chegaria nos 2,5 milhões que eu tinha a minha convicção de que com 2,5 a gente não iria para a Record, continuaria no SBT ganhando menos, mas dentro de uma zona de conforto, na nossa gratidão, porque mesmo você sendo profissional, Silvio mudou a vida do Gugu, Silvio mudou a minha vida. A gratidão existe, vai existir até o último dia. Até o meu último suspiro, sou extremamente grato ao Silvio. Então, nós íamos ficar. E aí apareceu a frase que não podia ter aparecido.

Eu falei: 'Bom, Silvio, nós estamos falando de oito anos. Porque o contrato da Record era oito anos. Para uma pessoa assalariada'. Oito anos? Quantos carnês significam? Ganhando três milhas por mês é brincadeira, né? Você vai direto pra Casas Bahia e monta outro carnê. E o Silvio olhou pra mim e falou assim: 'Eu não vou deixar esse ônus pras minhas filhas'.

Era muito significativo para a gente, porque na minha cabeça, do Gugu, a gente podia até aposentar depois da Record. Este é o motivo do Gugu ter ido. Simples assim.

NaTelinha - Nesse final do Gugu no SBT, o Domingo Legal já não disputava mais com a Globo. Pelo contrário: vinha perdendo para a Record, para a própria Eliana, Domingo Espetacular. Para alguém que sempre batia a Globo, isso batia diferente nele nessa nova realidade? Lá na fase final dele. Como batia nele e em você?

Mais nele. Houve um fator que modificou o Gugu e hoje em dia talvez eu tivesse a atitude diferente do que eu tive na época. Um dia eu estava ando no corredor, olhei para o lado, vi uma máquina. Falei: 'O que é isso?'. Era uma coisa que eu que o Ibope estava testando, que é o minuto a minuto. Como é que funciona isso? Conta mais. O bichinho, o bichinho mordeu.

Eles falavam que era Casas Bahia, porque a gente tinha um monte de monitor, tal coisa, nos outros canais, Faustão, tudo, e estava lá a máquina do Ibope. Para você ter uma ideia como isso perturbou e modificou a vida da gente, eu acho que no segundo mês que a gente já estava ocupando a máquina e trabalhando em função da máquina, trabalhando em função do minuto a minuto. Veio uma TV japonesa fazer reportagem no programa. Eu ei um domingo inteiro com um alemão, repórter olhando do meu lado, olhando como é que a gente fazia o programa. Porque pela primeira vez no mundo foi usado minuto a minuto no programa ao vivo. Então, iam cantores para cantar cinco músicas, cantavam uma.

E um sinalzinho. Obrigado! E tinha gente que foi para cantar uma e cantou 18. O nome é Mamonas Assassinas. Essa vez, depois eles ainda foram algumas vezes, mas essa vez marcou demais, porque o programa inteiro foi Mamonas. E quem ditou isso foi a máquina. O Geraldo Magela ficava no corredor porque ele ia se apresentar naquele dia. Era a primeira vez na vida dele que ele ia fazer o Gugu. Ele estava alucinado. Depois ele ficou com o meu amigo na Escolinha. Ele contando é muito engraçado, porque ele ficava no corredor.

'Agora que eu entro? Agora? Agora que eu posso entrar?'. E o ado produtor falava: 'Não, não, ainda está lá o Mamonas'. Não entrou ninguém. Eu derrubei a pauta inteira do programa. Imagina que eu teria coragem de cortar o Mamonas ali e colocar alguma outra coisa? Pelados em Santos cantou cinco vezes. O Dinho olhava para mim e falava que não tinha mais música. 'Repete, repete, repete'.

Eu te pergunto: para quem você trabalha? Em primeiro lugar, para o Silvio Santos. Mas, depois do Silvio Santos, para quem você trabalha? Para o teu público. Se você está tendo uma resposta de audiência, você vai deixar de fazer para fazer o que você gosta? Então, eu te falei, televisões do mundo inteiro iradas, o Silvio vira para mim e fala assim: 'Homero, eu não vou cortar, eu sei o que vocês estão fazendo. Eu não vou cortar. Só te digo o seguinte... Você vai se arrepender'. Eu duvidei do Silvio. A gente não pode acertar que vem alguma coisa de ruim para a gente. Eu achei que eu era a última bolacha do pacote.

O Gugu achou que ele era a última bolacha do pacote. E jamais íamos entender o que o Silvio estava dizendo. Agora eu te digo. Acho que eu nunca fiz uma entrevista em que eu tenha dado tanta ênfase nisso. Isso modificou muito o Gugu. Era um olho na máquina e um olho no programa. Nós tínhamos os mostradores no palco.

NaTelinha - Sim. Às vezes a câmera flagrava.

Às vezes a câmera flagrava. O Gugu ia fazer uma entrevista... Começava a falar com a pessoa. Caiu 1 ponto. Caiu 2 pontos, ele cortava a entrevista.

NaTelinha - Alguém já ficou chateado por isso?

Vários.

NaTelinha - Pode falar quem?

Não, mas a maioria era cantor que estava pensando que ia cantar muito mais músicas e quando ele era cortado, ele percebia na hora. Mas veja, isso foi muito prejudicial para o Gugu.

Não foi pouco, foi muito prejudicial para o Gugu. Porque quando a gente foi para a Record, a gente continuou na mesma. E isso fazia, por exemplo, às vezes, eu tinha um quadro que eu sabia que ele estava ali um pouquinho patinando, mas ele ia melhorar muito. Teve vezes que eu travei o Ibope. Por exemplo, estava dando 14, ficava no 14.

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NaTelinha - Ah, mas ele não percebia que não mudava?

Desconfiava. Ele é muito inteligente. É claro. Aí eu deixava ali o 14, mais um minuto, dois. Nunca cheguei a três, mas um minuto, dois, eu ainda conseguia segurar, porque eu sabia que ia melhorar aquilo ali. E eu tinha medo dele cortar. Porque ele cortava sem dó. Ele cortava sem dó. Quando ele via que caía, ele cortava.

Então, isso não é bom para o apresentador. Eu estou falando aqui, olhando para a câmera. Se tiver algum apresentador que ainda está fazendo o programa com o olho, dizem que o Faustão era informado. Eu vou falar também. Dizem que ele era informado, todo mundo informava, subiu, baixou. Mas é que com a audiência que ele tinha na Globo, não fazia diferença. 2 pontos ou 1. Mas para nós, décimos fazia diferença. Então, eu te digo, quem era preocupado com a audiência? Silvio? Não. Eu? Óbvio. Gugu? Demais.

NaTelinha - Então ele sofreu muito na final da agem dele pelo SBT por estar ficando em terceiro lugar várias vezes.

A Eliana, ela tinha, assim, era uma montanha russa. Tinha época que a Eliana não dava e tinha época que ela ganhava da gente com os quadros que não dava pra entender. Eu não vou tirar o mérito nunca, a Eliana tem um mérito enorme, mas, de repente, o meu quadro era um quadro que tinha dinheiro, que tinha uma atração internacional, tinha não sei o quê, e ela estava com um cabeleireiro ganhando, que era uma coisa que eu não podia competir desse jeito.

NaTelinha - Com programa gravado, né?

Eu não podia competir desse jeito, não tinha como. Porque eram coisas, por exemplo, que ela estava agradando. A maternidade ajudou muito a Eliana.

A Eliana, depois de ser mãe, acredito que a sensibilidade dela aumentou, ela se tornou, esse é o meu ponto de vista, ela pode me desmentir amanhã, mas, no meu ponto de vista, ela cresceu muito depois da maternidade. Enfim, ela ganhava com quadros que eu olhava e falava o que eu faço? Como? Como ganhar? Então, houve isso, sim. E isso ajudou a gente também a mudar de emissora.

NaTelinha - Vocês tiveram discussões acaloradas para tentar mudar o rumo do programa e tentar consertar ali, tentar trazer a audiência de volta para o Domingo Legal? Havia esse tipo de discussão entre vocês? Vocês divergiam sobre o caminho?

Eu acho que isso houve do primeiro ao último programa. Não dá para ser diferente. É óbvio que, como a nossa formação foi a mesma, produtores do Silvio, praticamente a gente concordava em 70%, 80% do que era o programa, a gente concordava. Eu discordava muito da parte jornalística.

NaTelinha - Você discordava muito da parte jornalística Domingo Legal?

Muito. Tivemos discussões homéricas por conta de jornalismo. Já te falei lá atrás, para mim é entretenimento, entretenimento, entretenimento. Você ficar no ar três horas cobrindo uma rebelião no Carandiru, até onde isso é jornalismo? Para mim, aquilo lá era um oportunismo, porque o pessoal já marcava a rebelião no domingo, porque sabia que a gente ia por no ar.

NaTelinha - E você falava isso para o Gugu: 'Você está sendo oportunista?'

Eu falava que as pessoas estavam usando o programa como oportunismo. Quando tive de fonte segura que as rebeliões estavam ocorrendo no domingo, naquele horário que era para o Gugu botar no ar, falei: 'Gugu, isso é usar a gente'. De repente, estamos entrando em uma seara que não dominamos, que não sabemos fazer bexiga, banheira, rebelião. Aí aconteceu, por exemplo, a morte dos Mamonas. Foi um absurdo a nossa cobertura.

Ele me acordou às 6h e perguntou se eu estava sabendo. Já fui acionando helicópteros, a produção. E tem uma agem engraçada aí que foi a Mãe Dinah. O Gugu falou assim: 'Geralmente fazem essas previsões, vê se alguém fez a previsão que o avião ia cair'. E aí eu liguei para o produtor, era o Marcos Andrade, e liguei e falei assim: 'Marcos, faz essa pesquisa para mim'. Ele retornou e eu no carro, indo para a emissora. Fui para o helicóptero. Ele falou que descobriu uma vidente dizendo que um avião ia cair. Eu falei: 'Mas era conjunto musical?' Ela falou que um conjunto ia sofrer um acidente. Temos!

E a Mãe Dinah virou um fenômeno nacional incrível.

Aí aquela cobertura marcou época, porque todo mundo no Brasil lembra dessa cobertura. Todo mundo ou o domingo recebendo as notícias pelo Gugu. Eu liguei para o Silvio umas 10h30, 11h e pedi horário para ele. Ele já sabia do acidente. Ele falou: 'Qual é a sua ideia, Homero?'. Eu falei que queria entrar às 14h. Estava entrando às 16h, acho. Eu falei, eu preciso entrar às 14h ou meio-dia. Eu acho que foi meio-dia.

Eu sei que eu pedi duas horas a mais. E ele falou que não podia dar depois. E eu ganhei mais um pouco de tempo no final. Mas eu entrei duas horas antes porque estava tudo na minha mão. O Gugu é um avião. Ele já tinha, ele estava à frente da produção, o Gugu. As coisas que ele estava pedindo para a produção já estavam bem à frente do que a produção estava conseguindo. Você entende isso? Ele já estava com a tia do Dinho, quando a gente ainda estava com a mãe do Dinho. E o mérito do Gugu é indiscutível. Ele é um produtor.

Ele era um produtor, um criador. Ele não era um cara para ler TP, nem ficha. O Gugu é um criador, um produtor. E ele produziu muito naquele dia. Uma grande parte de tudo que a gente colocou no ar ali, porque ele pedia pra gente ir atrás. Você tem que ter uma pessoa te cutucando, entendeu? Senão você acha que o que você tem já é o suficiente. Aí, quando você tem um apresentador como ele, que é insaciável, insaciável, nada é o suficiente para o Gugu. Nada era o suficiente para o Gugu. Ele queria mais, mais, mais e mais. Aí a coisa sai fora do normal.

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NaTelinha - Mas aquilo que vocês fizeram no caso do Mamonas, para você foi jornalismo ou foi oportunismo? Ficar tantas horas assim, cobrindo um acidente fatal, no caso dos Mamonas.

Quantos aviões de conjunto caem no domingo? Então você não pode dizer que vai continuar com jornalismo porque você foi bem num domingo com o Mamonas.

NaTelinha - Entendi. Foi sazonal.

Essa era a minha briga com ele. Talvez a palavra oportunismo não caiba. Cabe melhor o que você usou agora. Nós tínhamos algumas coisas que eram pontuais, que aconteceram naquele domingo, e isso dava uma impressão para o Gugu de que era um caminho. E eu discordava. Eu achava que não era caminho. Tanto é que várias coisas que depois ele fez, como Richthofen, goleiro Bruno. Eu não participei disso. Não era uma época que eu estava dirigindo o programa, então eu não podia proibir, mas eu era totalmente contra. O PCC, eu não participei.

NaTelinha - Mas você deve ter ficado em choque quando você viu aquilo do PCC...

Veja bem, eu estava no Rio de Janeiro, esperando o Gugu. Estava em um hotel, esperando o Gugu, porque segunda-feira íamos para a comunidade, acho que é Rocinha ou Vidigal. Desculpem, cariocas. Sei que íamos subir o morro no dia seguinte, na segunda-feira, porque nós estávamos gravando merchandising para Petrobras. E eu era diretor desse documentário. Eu estava com uma câmera caríssima, era uma câmera de 250 mil dólares, 4K, que não tinha no Brasil. Eu estava com uma equipe lá no Rio para gravar, então eu estava assistindo o programa no hotel no Rio.

Quando eu bati o olho, alguma coisa não me fez bem.

NaTelinha - Mas você viu ao vivo?

Eu vi ao vivo. Eu vi ao vivo. E aí eu olhei a iluminação, e quem é de televisão... Você já sabe. Não gostei do que eu vi. Aí, quando ele chegou na segunda-feira, o clima era outro. O clima era de comemoração. Porque deu muita audiência e muita repercussão. Então, nós amos uma segunda-feira inteirinha gravando iludidos. Eu e ele. Eu mesmo sabendo, brinquei com ele, né? Falei, Gugu: 'Tá meio produzidinho, não?'. Ele não tem nada a ver com isso. E não tinha mesmo. E aí foi meio comemoração na segunda-feira, terça-feira o mundo caiu. Terça-feira o mundo caiu, eu fiz o que eu pude pra ajudar.

Aí, durante a semana, teve gabinete de crise, contratamos especialistas, etc, etc. Mas eu não participei disso. Assim como não participei quando ele atravessou o túnel de fogo e queimou a mão. Eu também não estava lá nesse dia.

NaTelinha - Homero, você não podia ficar longe do Gugu, viu?

Eu tinha sorte, eu falava para ele, cara, eu não posso ficar longe de você, porque acontecem coisas estranhas. Acontecem coisas estranhas. Eu não quero colocar culpados, eu não vou revirar coisas do ado. Você precisa estar muito atento para as coisas não acontecerem. Existe uma coisa que os americanos chamam de survey, que é uma ficha de checagem de programa, que eu usava aquilo como se fosse a coisa mais importante da minha vida. Eu reava cada item do programa quatro, cinco vezes. O programa era ao vivo no domingo. Eu nunca tive final de semana com a minha família, porque no sábado à tarde, tipo quatro horas da tarde, eu já estava na televisão assistindo uma por uma das matérias que iam no ar no dia seguinte. Não ia nenhuma matéria para o ar sem eu ter visto.

NaTelinha - E o Gugu também fazia esse ritual? 

O Gugu não ia no sábado assistir matérias. Ele assistia matérias se tivesse necessidade de ele ver alguma matéria e ela estivesse pronta, a gente mandava na sexta-feira para ele em VHS.

A gente colocava numa fita e mandava para ele. Ele assistia em casa. Eu ia para a emissora porque, a maior parte, você tem uma semana só para produzir um programa de quatro horas, cinco horas. Então, tinha matéria que ficava pronta na sexta-noite, no sábado. Cansei de ver matéria que acabou de ser finalizada. Mas eu não deixava ar nada. Essa matéria do PCC acho que duas pessoas viram.

NaTelinha - E você acha que o negócio do PCC foi algo que ele ficou carregando muito ao longo dos anos? Era algo que ele comentava? Ele acha que isso, de certa forma, arranhou a imagem dele, a audiência?

Ele não comentava, mas pesou, pesou muito. Nós tivemos programa no SBT, o SBT saiu do ar, você sabe disso.

NaTelinha - Sim, no domingo seguinte colocou um monte de programa aleatório, né?

O Silvio não deu bronca direta, o Silvio não chamou atenção nem minha, nem do Gugu. Bom, a minha não ia poder porque eu não estava lá. Mas não era nem o Magrão, era o Maurício Nunes, filho do Max Nunes. Mas também não é o culpado, mas também não era. Viu a fita fechada do jeito que o Gugu viu. Então, não vamos agora sair em caça às bruxas. Aconteceu, aconteceu. Agora... Ficou marcado para o Gugu, porque, por exemplo, esse documentário que eu estava fazendo da Petrobras foi cancelado no dia seguinte.

NaTelinha - Por conta do reflexo do PCC direto?

É lógico. Nós perdemos R$ 11 milhões de comerciais. Eu acredito que dinheiro de hoje vamos projetar é uns 30 milhões, 40 milhões aproximadamente e isso era o que preocupava o Silvio.

NaTelinha - Você falou que o Silvio não era preocupado com audiência mas com comercial sim. Por quanto tempo durou para se recuperar comercialmente falando?

Acho que não demorou muito, não. A parte do desgaste durou mais tempo. Grande parte, não estou condenando, estou constatando... Grande parte por conta da imprensa, que não deixava o assunto morrer.

Ficava reverberando muitos e muitos dias, semanas. Não morriam mesmo. Não existia clique. Se fosse hoje em dia, então...

NaTelinha - O Gugu estaria cancelado pra caramba.

O Gugu cancelado estava trabalhando na TV Rodoviária. Porque não ia ter perdão. Mas naquela época, evidentemente, era um assunto que interessava para a imprensa. E a imprensa não deixava morrer.

NaTelinha - Esse estigma incomodava o Gugu?

Incomodava bastante, incomodou bastante. O tempo cura. Se levou um ano pro comercial, no mínimo dois, três pro Gugu.

NaTelinha - E artisticamente, Homero, o pessoal deixou de aceitar convite pra ir no programa dele por conta do que ele ou do PCC? Ou isso continuou inabalável?

Todo mundo falando do Gugu, todo dia. Todos os jornais falando do Gugu. Quem é que não quer fazer o programa do Gugu? Tinha fila. Quando saiu do ar num domingo, no outro domingo, eu tinha gente se oferecendo pra dois meses de programa.

NaTelinha - Vocês tinha algum alguma espécie de "sensor interno" entre vocês? Algo que talvez vocês recuaram na hora de colocar no ar, e não fala nada do PCC nem da Banheira, por exemplo. Mas algum produto que sequer tenha ido ao ar por pensarem que não tinha como e talvez tenham itido que estavam ando do ponto.

Sempre a velha e boa escola do Silvio. Ele ensinou para nós que o nosso target era de 8 a 80. Então, nós sempre tínhamos em mente que uma família estava nos assistindo. O nosso limite é aquilo que uma família poderia assistir ou não. Então, você veja. Teve criança dançando na boquinha da garrafa. É padre dançando, levantando a batina para dançar na boquinha. Então, é condenável? É condenável com os olhos de agora.

É condenável dentro de uma evolução que a sociedade teve, que acho justa, acho necessária em vários aspectos, e isso fez com que a gente mudasse um pouco o foco com o ar do tempo. Mas na hora da ação, não. Na hora da ação, não. Totalmente injustificável. Nós nunca iríamos colocar alguma coisa que o Silvio virasse e falasse 'isso não é para o público do SBT'. Agora, quem não conhece o Silvio? Quem não sabe como o Silvio era descontraído? Quem não sabe as brincadeiras do Silvio? Isso tudo é válido. O Silvio não começou a fazer brincadeira com 78 anos, com 80 anos. O Silvio fazia isso quando ele tinha 30. É que com 30 ele não tinha o destaque que ele tinha com 70. Entende isso? Eram as mesmas brincadeiras, eram as mesmas.

Eu era diretor do Domingo no Parque e ele falava cada absurdo com as crianças. O melhor está na internet, está no YouTube com poste... A mulher, o poste e o bambu. Mas isso daí era o normal, era o nosso dia a dia. É que também não tinha YouTube para gravar tudo isso e guardar. Mas todo programa daquela época tinha essas coisas. E era normal. A gente sabia o nosso limite. É lógico que a exceção total foi o PCC. E, sinceramente, mais nada.

NaTelinha - Avançando para 2009, houve a troca do Gugu do SBT para a Record. E ele estreou às 20h com quatro horas de duração. Quem é que estipulou esse horário, que concorria em 100% com o Programa Silvio Santos? A gente falava que era o criador versus criatura.

Não foi assim premeditação. O que levou aquele horário é uma questão comercial. Você vende muito mais esse horário do que 14h, 16, 18h. O investimento que a Record estava fazendo era muito grande. Ela precisava desse retorno. E esse retorno implicaria em a gente entrar no horário nobre. Então, não há essa premeditação. Sobre hipótese alguma 'vamos fazer porque é horário do Silvio' ou brigar criador contra criatura. Não. Qual é o horário mais caro do domingo?

Aquele que vai trazer mais retorno pelo que nós estamos pagando e investindo no Gugu. Então, esse horário veio por osmose.

NaTelinha - E teve alguma resistência de vocês ou do Gugu de ficar ao vivo até meia-noite?

Não, porque a gente estava tão empolgado... Porque o nosso objetivo não era o SBT, o nosso objetivo era Globo. A Record também acreditou que o nosso alvo era Globo. E eu tinha uma vulnerabilidade maior no Fantástico do que no Faustão. Porque no Faustão o público era o mesmo. E no Fantástico não. No Fantástico eu tinha um outro público para competir e a gente estava indo muito bem lá. Então por isso levou a gente para a noite, só por causa disso. Foi puramente comercial.

E uma estratégia também de audiência, saber que eu batendo de frente com o Fantástico eu teria mais resultado do que batendo com o Faustão.

NaTelinha - E quanto tempo durou a lua de mel de Gugu? E aí eu não falo só do Gugu, do apresentador, mas da produção com a Record. Porque no começo tudo é festa, né?

Ela perdurou até o final do contrato do Gugu, sem problema nenhum. Até 2013 mesmo, até quando ele saiu. Eu não tenho um A pra falar da Record. Embora eu já tenha dito e repito, o SBT é minha casa.

NaTelinha - Mas não saiu o talk-show do Gugu, né?

Prometeram isso para ele e não saiu. Esse talk-show foi colocado no contrato. Inclusive, eu levei uma pessoa importante para fazer o talk-show, que era o Daniel Castro, na época era um nome muito respeitado na Folha. Ele era um jornalista que fazia uma abordagem também institucional na coluna. Ele falava muito de números. Ele partia para a televisão não só programas, artistas, etc., mas também trazia números da Globo, números do SBT. E nós achamos que talvez o Daniel fosse a pessoa certa para dirigir esse talk-show. E eu fiz o convite para o Daniel, ele aceitou. E não saiu do papel o talk show.

NaTelinha - Por quê?

Não foi por mim, não foi pelo Gugu. E não foi muito menos pelo Daniel. Está sobrando pouca gente aí. Só fazer as contas. Eu queria, o Gugu queria, porque essa parte dele jornalística, nunca abandonou o Gugu. O Gugu fez Casper Líbero. Estava no sangue dele o jornalismo. Quando ele viu essa oportunidade de talk-show, ainda mais que não ia ter o Homero enchendo o saco dele... Então, ele queria o talk-show, eu queria, porque estava mal para mim, eu tinha convidado o Daniel para fazer e, por outras razões, não saiu do papel.

NaTelinha -  Entendi. Nessa fase do Gugu na Record até 2013, vocês compraram um formato que causou espanto. Falo do Qual é a Música, que ficou consagrado com o Silvio Santos. Como foi a aquisição desse formato? Provavelmente estava dando sopa.

Eu frequentava muito as feiras. Porque quem me mandava para as feiras era o Gugu, não era nem o SBT, entendeu? Eu ia para Cannes, ia para Vegas, e quem bancava ali era o Guguzinho. Por quê? Porque a gente trouxe muita coisa que não tinha no SBT. Nós fomos precursores em vários formatos, em várias coisas ali, que depois entraram na programação, que a gente trouxe. Por exemplo, eu trouxe o Tentação para o Silvio.

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NaTelinha - Ah, foi você que trouxe o Tentação para o Silvio?

Eu trouxe o Tentação para o Silvio.

NaTelinha - Foi o melhor programa do Baú que teve.

Tem uma agem muito engraçada, essa daí também é inédita.

NaTelinha - Vamos lá.

Eu dei a fita para o Silvio e falei: 'Isso aqui, nossa, é fabuloso para você fazer com os clientes, com os freguês do Baú!'.

NaTelinha - Você já direcionou para os clientes do Baú direto.

Quando peguei essa fita em Cannes, estava com o Gugu. Ele falou: 'Não é pra mim'. Mas é tão bom, pensei em levar para o Silvio. Ainda com um pouco de cuidado, porque quem está pagando tudo é o Gugu. Ele falou: 'Leva, é bom, é bom'. Dei a fita para o Silvio.

Morreu o papo. Aí, bastidores... O Silvio tinha uma equipe, do Baú, que também procurava programas, formatos, etc. Até encontrei com eles em Hong Kong. Dedicaram com três colegas do Baú que estava lá em Hong Kong numa feira. Eu falei: 'O que vocês estão fazendo aqui?'. Foi quando descobri que ele tinha uma equipe também. E aí o Silvio teve uma reunião com essa equipe e eles apresentaram alguns formatos para o Silvio. Aí o Silvio olhou, olhou, olhou e falou: 'Não, não, não, não gostei, mas tem uma fita aqui'. E colocou o Tentação. Todo mundo ali do Baú gostou. E resolveram fazer o Tentação. Aí o Silvio chega para mim no camarim e fala assim: 'Homero, você vá até a sede do Baú ali na Bela Vista, fala com o João Fascina, que era o presidente do Baú, e pede um presente para ele'.

Eu dou uma ligada. 'Você pede um presente para ele porque nós vamos fazer aquele programa. Você vai dirigir o Tentação e nós vamos fazer. Mas o Baú tem que te dar um presente. Vai lá que o João vai te dar um presente'. Fui. Chegou lá, o João vira para mim e fala assim: 'Homero, foi você que trouxe a fita?'. Falei: 'Foi'. Nossa, muito bom. 'Você já está produzindo, está montando?' Falei, já estou. Ele falou 'que ótimo'. 'Vamos fazer o seguinte: Vou te dar um presente, é uma TV de 50 polegadas, que não tem ainda venda no Brasil'. Olha, a maior que tinha, para não dizer que não tinha grande, tinha uma de 42...

Eu fiquei super feliz. Fiquei esperando, chegou a TV, liguei a TV. Que maravilha, é o cinema aqui em casa. Um mês o Silvio me chama camarim e pergunta: 'Homero, o João te deu alguma coisa lá no Baú?'. Falei: 'Silvio, foi bom você tocar nisso, queria te agradecer. Uma televisão maravilhosa'. Ele falou: 'O quê? Eu falei, é uma TV de 50 polegadas, linda, maravilhosa, fantástica. O Silvio olhou para mim e falou: 'Como você é bobo. O presente vale muito mais do que aquilo. Eles te enrolaram'.

É como se tivessem me dado espelho. Ok? E eu feliz com a TV. Aí, eu não fui. Liguei para o João, vou ar um carão de chegar lá e falar que o presidente era mixuruca, que o Silvio mandou dar um presente melhor? Eu liguei para o João e o João falou: 'Não, estou me acertando aqui com o Silvio'. Bom, é aquela história, eu tenho testemunha. Todo mês eu ia para o camarim, o Silvio me chamava, a Zilda ligava e me chamava. Chegava lá, tinha um pacote, aqueles pacotes de papel pardo antigo. Dentro desse pacote tinha dinheiro e tinha uma fita, que é aquela fita de máquina de calcular que você fazia assim com uma alavanca.

Dentro desse envelope vinha dinheiro, vinha tira de papel, porque ele estava me dando todo mês dois mil e poucos dólares convertidos em dinheiro brasileiro. Era cruzado, o cruzeiro, não lembro. Aí um dia falei: 'Silvio, por que não coloca isso no banco?'. Ele falou: 'Não, não. Vai que eu mando você embora amanhã, e você vai querer acrescentar isso no salário'.

NaTelinha - O Silvio falou isso?

Esse era o Silvio. Todo mês, e foram uns dois anos e pouco que eu dirigi o programa e todo mês tinha o envelope com o dinheiro.

NaTelinha - A maçãzinha já era tudo do formato também? Já era daquele jeito?

Não, não. A maçãzinha não. A maçãzinha é nossa. Nem é minha. É do cenógrafo que fez o cenário que bolou a maçãzinha.

NaTelinha - Interessante. Porque é a marca do programa também, né?

Claro. Claro. O Tentação era muito gostoso. Era gostoso de fazer, gostoso de assistir. Os participantes adoravam. Vendeu muito mais.

NaTelinha - O Lombardi participava muito ativamente também. Acho que ele devia gostar muito.

Era um programa que deu certo. Agora, veja. Hoje eu tenho essa malícia. Na época eu não tinha. Um formato desse vale muito dinheiro. Quanto a Endemol ganha no Big Brother, na Globo? Quanto as outras produtoras de conteúdo ganham quando trazem um formato para uma televisão? Então esse pacotinho é nada.

NaTelinha - É dinheiro de pinga, né?

É dinheiro de pinga esse pacotinho. Era um agradinho.

NaTelinha - E o Qual é a Música, Homero?

Ah, ok. Qual é a Música? foi assim... Numa dessas feiras, ando em frente, conversando com o dono do formato, ele falou: 'Tá aberto'. Eu falei: 'Hã?'.

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NaTelinha - Surpreendeu você, né?

Claro, eu e o Gugu, a gente tava junto. Pô, tá aberto isso? Tá, tá aberto. E a gente só comprou.

NaTelinha - E o Gugu curtiu fazer o Qual é a Música?

Ele não conseguiu fazer. Ele simplesmente não conseguiu fazer. Eu acho que o peso do Silvio foi muito forte para ele. Se transformou num fardo. Eu explicava cada prova para ele 20 vezes. Ele totalmente disperso. Eu acho que pesou muito o referencial do Silvio. Você chegou a ver?

NaTelinha - Claro.

O nosso cenário batia de 50 mil a zero. Ele era futurista, não tinha piano. Eu modernizei muito, nós modernizamos muito o Qual é a Música?. Ele ficou com visual enorme, ficou tudo bem, os convidados eram bons. O público não se achou no programa.

NaTelinha - Você arrependeu de ter comprado?

Não é questão de arrepender, é porque também ninguém cobrou, né? E da gente ter parado. Mas ele não vestiu o programa. E nós até conversamos sobre isso lá atrás. O apresentador tem que estar na zona de conforto dele. Se ele não estiver, você não consegue obrigar. Por mais que eu insistisse. Claro, ele sabia o mecanismo, mas ele não vestia.

NaTelinha - Desses programas todos que você dirigiu, tem algum que você tenha achado meio xoxo?

Olha, seria meio contraditório para mim ter um programa xoxo no ar. Então, se eu já errei alguma vez, e errei, óbvio, já tirei logo. Por exemplo, Big Domingo. Big Domingo eu fiz mal, o Gugu também não gostou muito, durou dois, três meses e já tiramos, entendeu? Foi uma fase. Acho que o Big Domingo é o melhor exemplo disso. Todos os outros, é tão estudado, tão bem produzido, pré-produzido, que você nunca vai achar que aquilo lá tava xoxo, entendeu? O que eu posso falar pra você que é xoxo, o Big Domingo foi xoxo.

NaTelinha - Na Record, teve algum estopim pro Gugu ter saído? Teve alguma coisa que aconteceu que foi a gota d'água pra ele ter saído? Como é que foi o processo dos finalmentes?

O processo veio se desenhando a partir da hora que a conta não fechava. E isso daí também dá um peso muito grande. Você já ou por outros veículos de comunicação... Você sabe quanto vale o seu trabalho. Se de repente você vê que o veículo está com dificuldade financeira e não consegue cobrir o seu salário, te coloca em uma posição delicada. Nós já estávamos nos sentindo nessa posição delicada. Sabíamos que o mercado não estava mais condizente com quatro anos atrás. Era outra realidade. Vimos que isso não era só a Record. Não era um problema localizado na Record. Era um problema que estava se repetindo nas outras emissoras. Sabíamos que todo mundo estava com dificuldade. Chegou uma hora que ficou difícil para a gente discordar de certos argumentos. E aí nós fizemos a primeira concessão de corte no salário do Gugu.

Por questão de adequação, correção, etc. O primeiro corte foi de 700 mil. Ainda era muito forte. E a gente sabia que a conta não fechava. Aí veio o segundo corte. Foi mais ou menos perto de 1 milhão. E aí não dava para ter o terceiro. Nem para eles, nem para nós. Então eu te digo... Saímos pela porta da frente com tapete vermelho. O Gugu achou por bem que eu negociasse a rescisão. Ele não quis advogado. Como eu tinha feito, vamos dizer assim... Eu o levei para lá e já tinha negociado quando ele ia. Enfim, ele achou que eu também tinha que negociar a rescisão. E eu negociei essa rescisão com o bispo Honorílton.

Era segredo na época, hoje em dia não é, por razões óbvias. Gerava uma quantia bem alta nessa rescisão. A Record fez a discussão cabível com qualquer discussão que você está envolvido com valores. E chegamos a um acordo, chegamos num número que era o número que o Gugu queria e que a Record podia pagar.

NaTelinha - Qual era esse valor?

Eu, sinceramente, não sei tudo o que assinei. Não sei se eu posso ou não posso falar. Você sabe que essas s de televisão, não é brincadeira, não. Elas são as aeternum. Você, às vezes, assina umas confidencialidades que são ad aeternum. Não posso também dizer o santo, mas, no ano ado, assinei uma que, até o dia da minha morte, não posso abrir a boca e falar que eu fiz consultoria por causa disso.

Então eu me reservo, mas era um dinheiro bem razoável, não era nada parecido com o que ainda tinha para receber, ainda teria quatro anos para receber, mas era um bom dinheiro que satisfez o Gugu, que a Record podia pagar, estava dentro do escopo da Record, e saiu todo mundo feliz. Saímos pela porta da frente com o tapete vermelho. Tanto é que houve a volta do Gugu e se ele voltou para fazer as temporadas, por bem menos, mas também trabalhando bem menos. Então, você veja que saímos pela porta da frente mesmo.

NaTelinha - E você acha que ele curtiu fazer esses três vezes por semana? Inicialmente, igual ele curtia fazer no domingo? Brilhava os olhos dele?

O que aconteceu na vida do Gugu? O Gugu, até o dia que parou o programa da Record, o Gugu nunca tinha tirado férias. Na vida.

NaTelinha - É, né?

Não, não é no SBT. É na vida. Na vida. O Gugu começou como office boy com 14 anos, que era, na minha opinião, a idade certa para você ter vergonha e começar a trabalhar. Aí você começa a valorizar, e temos mil exemplos disso. E o Gugu, trabalhando com 13, 14 anos, não tinha os nossos 30 dias de férias para tirar, nunca teve. O máximo que a gente tinha era no final do ano, 10 dias, 15 dias, já era um milagre. A gente conseguia juntar Natal e Ano Novo. Não tinha finais de semana. Eu, como todo pobre, acho que o rico tem que viver numa praia e desfrutando do dinheiro, que o rico não tem que trabalhar. O rico não acha, mas a gente que é pobre acha que o rico tem que fazer isso.

Então, ei a minha vida inteira dizendo para o Gugu, para um pouco, vai desfrutar, vai gastar teu dinheiro. Vai gastar teu dinheiro. E consegui, quando ele parou com a Record, que ele fizesse isso por um ano. Ele teve um ano, o termo não se aplica, mas como se fosse um ano sabático, ele teve um ano de diversão. Ele não saía de Ibiza e um monte de lugares lindos, conheceu vários lugares do mundo que ele tinha vontade de conhecer. Vou ver a Aurora Boreal, vou ver não sei o quê, vou fazer inglês em Malta. Foi um ano que ele fez isso. E ele viu que a vida era boa. 

NaTelinha - Foi descobrir muito tarde, né?

Descobriu tarde. Até demais, se é que você me lembra. Mas aí ele estava propenso a não pegar no mesmo ritmo que ele tinha tido até aquele momento. E ele falou, não, eu falava: 'Gugu, continua no lazer'. 'Não, estou muito novo, preciso voltar, preciso voltar, preciso voltar'. A primeira pessoa que ele procurou foi o Silvio. O Silvio recebeu bem e ofereceu o sábado pra ele.

NaTelinha - Não ia tirar o Portiolli do Domingo Legal, não fazia nem sentido isso, né?

Era Portiolli e Eliana, né? Aí o Silvio ofereceu o sábado. O Gugu achou que era downgrade. Pegou pra ele, sabe? Ele falou: 'Fiquei tanto tempo no domingo...'. Mas é com qualquer um, se você pedir para o Luciano Huck voltar para sábado, ele não quer. O Mion quer ir para o domingo, mas o Luciano não quer ir para o sábado.

Aí o Gugu ficou meio chateado de não voltar para o SBT, porque o primeiro pensamento dele era o SBT, óbvio. Mas não tinha espaço mesmo para ele no domingo. Não tinha o que fazer. Teria que apertar muito todo mundo, entendeu?

NaTelinha - É, e quatro programas de auditório no domingo também...

A gente achou que o Silvio ia abrir mão de um pouco do horário dele. A esperança nossa era que o Silvio encurtasse o programa dele. E aí o ajuste daria pra fazer. E nós pegaríamos o melhor horário, que era o que antecederia o Silvio. Às 19h, por aí.

E o Gugu ficou chateado, ficou. E eu tomei as dores dele. Só que nessa altura do campeonato eu não morava mais no Brasil, eu morava nos Estados Unidos. Fiquei oito anos fora do Brasil, entre Estados Unidos e Europa. Mas estava morando nos Estados Unidos, e ele ia muito para lá, os filhos, a família dele estava lá. E a gente saía e conversava, e ele chateado. 'Pô, eu quero voltar, mas, olha, sábado eu não quero'. Onde mais? Band, Rede TV, Globo. Estava meio sem espaço. E aí eu fui falar com o Marcelo Silva. O bispo Honorílton já tinha saído, tinha vindo para a Record o Marcos Vinícius, um bispo, o Marcelo Silva, outro bispo.

Aí eu falei com o Marcelo Silva. Falei com o Marcelo. Falei assim: 'Marcelo, você voltaria com o Gugu?' Ele falou: 'Você está louco. Não temos dinheiro'.

NaTelinha - Na lata.

Na lata. 'Você está louco'. Falei, espera aí... Nessa época, a Regina Casé estava fazendo um programa sazonal na Globo.

NaTelinha - O Esquenta?

O Esquenta. E ele era sazonal. E eu usei isso como referência. Falei que se ele fizer um programa assim eu convenço ele a vir por muito barato, como você pagaria para um outro apresentador.

Ele falou: 'Bem, aí já muda um pouco de conversa. Acho que você tem que conversar com o Gugu'. Marcamos a reunião. Aí o Mafran voltou, nesse dia ele estava no Rio, conversei com o Mafran para o Mafran marcar essa reunião com o Marcelo e fui falar com o Gugu. Falei: 'Gugu, pensa bem, olha que delícia, trabalha três meses e fica em Ibiza oito, sete, seis. Vai para onde você quiser, não muda mais. Só tem que fazer aquele programa'. Convenci.

NaTelinha - Foi difícil?

Não muito. Não muito porque ele estava fora da TV. Um ano para ele foi o limite.

NaTelinha - E ele queria voltar muito?

Ele queria muito voltar.

NaTelinha - E se não fosse na Record, Homero? Desculpa interromper, mas e se a Record não abrisse a porta para ele?

O que será que teria acontecido? Quando tive essa ideia do sazonal, eu podia oferecer isso para qualquer um. Eu iria voltar a falar com o Silvio. Se não fosse o Silvio, eu ia falar com o Johnny. Se não fosse o Johnny, eu ia falar com a Amilcare. Enfim, o sazonal permite isso. Porque você já sai vendido, você sai com o patrocinador no sazonal. Você não precisa ficar dependendo de botar o programa no ar para vender. Você pega um formato, um Canta Comigo, já vende, já tem os patrocinadores e já coloca no ar patrocinado. Então, isso independia da emissora, ia valer mais pelo nome do Gugu. E aí a Record aceitou. Eu não dirigi mais, porque já estava morando nos Estados Unidos. Ele fez um programa que aí, sem Homero, podia ter um jornalismo. Foi onde entrou o Richthofen, foi onde entrou goleiro Bruno, sob o comando do jornalismo, aí já era Douglas Tavolaro, que era o responsável pelo programa.

O programa saiu do entretenimento e ou para o domínio do jornalismo.

NaTelinha - Você não viu isso com bons olhos. Eu vi no documentário do Gugu e você mostrou a sua reprovação sobre esse guarda-chuva do jornalismo.

Graças a Deus eu estava a 8 mil quilômetros de distância.  Morando fora não podia estar, mas não gostei. Não gostei. O diretor era muito bom, é o Virgílio, ele está lá na CNN. Como jornalista, ele é ótimo. Agora, o Gugu achava que o caminho era jornalismo e mostrou que não era porque a audiência não correspondeu.

Aí ou para os formatos de entretenimento, que é Power Couple, Canta Comigo, etc, que aí ele foi muito bem, entendeu? Largou essa parte de jornalismo, não quis.

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NaTelinha - Mas aí nessa parte também, Homero, ele ficou menos viciado Ibope minuto a minuto, porque eram gravados e não tinha o que fazer.

Não, lógico, não. Aí já era outro Gugu. É um formato, é uma bíblia, e está lá tudo o que você tem que fazer, olha para a direita, olha para a esquerda, câmera tal, a luz é essa, entendeu? Não era nem pra mim nem pra ele.

Eu acho que me engessaria de tal forma que eu seria um péssimo diretor. Eu tenho, inclusive, grandes amigos, tenho até parente, que é diretor de formato. Eles só fizeram o formato.

NaTelinha - Não tem nada de errado com isso, né?

Não tem nada de errado, mas eu era o cara do papel em branco. É, completamente diferente, claro. Tinha meia dúzia de quadros que se repetiam. E o resto do papel?

NaTelinha - Era muito rotativo, tudo era muito diferente.

A minha reunião de pauta na terça-feira, eu tinha 50 pessoas dando pauta, porque eu dava voz para o estagiário e a mesma voz para os meus diretores. Então, dali que você peneirava o que ia ser o programa do domingo.

E saía, isso era na terça, terça-tarde começava o trabalho, tinha quarta, quinta e sexta para fazer um programa. E isso não existe mais. Nem os programas que estão agora no domingo... Eles totalmente engessados. Você tem dois formatos no programa inteiro, você tem três formatos. Não tem mais aquelas pautas que você tem que correr atrás que você tem que levantar o factual que aconteceu na semana. 

É esse DNA que eu iro da Daniela querer resgatar. Oxalá, tomara. Eu torço muito que ela consiga, porque esse é o DNA do SBT. O SBT não foi talhado para esporte, jornalismo. O SBT é o suco do entretenimento. Se ela resgatar isso, aplausos, porque é difícil, não tem.

Aí tem uma coisa muito interessante, tem gente que fala assim, os tempos são outros, os tempos mudaram. Mudou coisa nenhuma. A televisão de 1950 é a mesma de 2025 e vai ser a mesma em 2035. Pergunto para você: qual foi a mudança do rádio? O rádio não ia acabar? O rádio com a advento da televisão? Ele não estava com os descontados? O rádio está aí. Nichou, achou o nicho dele, a maneira como ele pode sobreviver, e o rádio não mudou. É um locutor, é um microfone, é uma música, é isso, é aquilo, é mesa redonda, é entrevista.

NaTelinha - Mas na TV você não acha que perdeu uma audiência que ela não consegue mais reter, ela não consegue mais, a não ser com o evento ao vivo, claro, mas as novelas, os próprios programas, eles não conseguem mais reter o público, até pelos adventos que surgiram nos últimos tempos. O que você acha que está acontecendo? A televisão que não está conseguindo se fazer como ela conseguia fazer antigamente, o que está acontecendo?

Você perguntou respondendo já. É impossível com crossmidia você querer que a televisão tenha a relevância que ela tinha no ado. Hoje tem um crossmidia terrível.

NaTelinha - A realidade é essa.

É essa. Você tem cabo, você tem streaming. Eu tenho filho, uma menina de 20 anos, eu tenho um menino de 23. É humanamente impossível eu querer que eles assistam TV aberta.

NaTelinha - Não assiste. Criança hoje não assiste mais.

Não assiste. E eles não vão . Isso daqui eu estou te dizendo, me cobre daqui a alguns anos. A TV a cabo está com os dias contados.

NaTelinha - Estou pensando em cancelar a minha, inclusive.

Porque meus filhos também não vão pagar uma TV a cabo. Eles vão para o YouTube, eles vão para o streaming. Onde estão os interesses deles. Então, isso sim mudou. Mas a TV em si, não. A TV continua a mesma. Se você fizer um bom programa, você vai ter sucesso dentro do que sobrou para a TV.

NaTelinha - Não aquela realidade dos anos 90, aqueles pontos de audiência...

Os nichos que o rádio preencheu são os nichos dele agora. E continuam sendo bem preenchidos. Hoje, às vezes, você vê futebol e ainda ouve pelo rádio.

NaTelinha - Eu conheço gente que faz isso.

Está olhando para um. Não tem jeito. São coisas, é nicho. Sobrou pouco? Sobrou. Mas eles sobreviveram. Você sabe quantas rádios tem em São Paulo? Quantas rádios tem no Brasil? Hoje, que você pega uma cidade do interior, porque a gente tem que sair da nossa bolha. Ainda tem TV a tubo? Tem? Tem! Eu não diria mais preto e branco, mas a tubo ainda tem TV a tubo no Brasil. Quando a gente saía, por exemplo, para fazer aquele quadro De Volta Para Minha Terra, nós tivemos que comprar um avião. Nós compramos um avião porque a gente não ia em Fortaleza, ia 600 quilômetros de Fortaleza.

Aí você não podia ficar dependendo de avião comercial nem nada. Aí, quando estávamos na Record, nós compramos um avião. O tempo que a gente ficou na Record, o Gugu andava com o seu próprio avião, não por luxo, porque o Gugu era um cara extremamente simples. Esse avião, inclusive, eu louco para pegar esse avião no final de semana, Angra... Era avião para trabalho mesmo. O máximo que fazia era ir para a casa dele em Angra, mas não ia para lazer o avião, era trabalho. Agora, quando você está num lugar desse, você vê um outro Brasil. Você vê um outro tipo de pessoa, você vê um outro tipo de diversão. Você vê que, por exemplo, no sábado, naquele horário que se acha nobre, são as festas e os bailes e o forró.

O povo não está disposto nem disponível e não está na TV. Hoje, um diretor de programação, acho que ele devia ser a função mais bem paga na TV brasileira. O cara tem que adivinhar onde está o público dele. O meu público está no streaming agora? Ou está na TV a cabo? Ou está na rua? Onde é que está?

NaTelinha - Você foi contratado em 2020 para ser vice-presidente de conteúdo da RedeTV, né? Falando de mais recentemente. Sua missão era mais ou menos isso? Achar o público também? Que estava se dispersando? O que era a sua função ali?

Ela era um pouco mais ambiciosa. Eu já conhecia o Amilcare e o Marcelo há muito tempo. O convite do Amilcare foi logo quando o Gugu teve o acidente. Em 2019, ainda estava nos Estados Unidos. Eu falei, olha: 'Amilcare, eu vou para o Brasil em janeiro, a gente conversa'. Ele armou uma bela armadilha para mim no almoço. Levou o Marcelo junto. E o Marcelo consegue vender. O Marcelo Carvalho consegue vender geladeira para esquimó. E daquela mesa, tudo que eu pedia eu conseguia. 'Você vai ser diretor?' Não, quero ser vice-presidente. Vai, eu quero isso. Vai, vai, vai. Por quê? Porque eles deram carta branca para mexer na programação. Eu já tinha convencido o Amilcare que o grande problema era a programação. A RedeTV! é tecnológica, ela tinha as condições, tinha bons estúdios etc. Não tinha dinheiro, mas tinha toda a infraestrutura. E aí eu convenci ele que tinha que mexer na programação e eles, nesse almoço, me deram a carta branca para mexer na programação.

Eu fiz uma grade extremamente revolucionária em termos de RedeTV!. A Luciana tinha dois dias, aria para um. A Daniela tinha um programa idêntico à da Luciana. Eu bolei um programa de externas para ela, porque ela se saía muito bem nas entrevistas externas. O Marcelo estava encastelado no sábado, pegando a audiência que vinha do Lordello, do policial. Já pegava o Mega Senha. Falei, vai para a quarta-feira, tem seu público feminino lá, futebol na Globo... E eu tinha uma carta na manga que era uma coisa que não foi feita, então, pra te dizer que ia ser um estouro na minha cabeça. E na cabeça dos dois que ficaram alucinados com a ideia. Eu fui procurar um homem chamado Kondzilla.

De cada 100 MC's, 90 eram dele na época. Ele estava fazendo já o Sintonia, que foi um estouro. Ele é um gênio. Na hora que fui falar com ele, ele entendeu a proposta e nós íamos fazer quatro horas ou cinco horas de funk direto no domingo ao vivo. Aquela parede de som, o palco, os melhores MCs do Brasil, aquela meninada, sainha curta, um monte de ouro, dançando, dançando, dançando, dançando. Era jovem guarda para os dias de hoje.

Então, quatro horas ao vivo, ia mexer no mercado. Não estou dizendo em vendas, não estou dizendo do lado comercial. Ia haver uma certa resistência. Mas, em termos de audiência, eu ia competir. Eu ia competir. E essa grade tinha um monte de inovações. O Cacá, que hoje é diretor de produção da Band, me ajudou a montar essa grade. Era uma bela grade. Apresentei para os dois, para o Amilcare e para o Marcelo. Numa quinta-feira, eles disseram ótimo, ficaram apaixonados com a história do domingo, bem a cara deles.

O Marcelo ficou meio assim... Só dois dias para a Luciana, ela vai reclamar.

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NaTelinha - Reclamou?

Não deu tempo. Nós vamos dar início à parte executiva da grade, já para ver a implantação, o que sai, o que fica, alocar os recursos, uma semana. Na terça-feira, que antecedeu essa quinta, a RedeTV! tinha 238 funcionários a menos e não tinha mais o dinheiro das igrejas, porque a pandemia caiu como uma bomba atômica. Bem nessa época. Na semana. O RH teve que afastar porque tinha muito egresso ainda da Manchete. E o pessoal tinha 238 funcionários a menos. E o Amilcare que virou pra mim com o Marcelo e falaram: 'Esquece. Não sei se vamos conseguir sobreviver'. A luta era pela sobrevivência, né? Não é mais a luta pela grade.

Estou publicando uma grade, é o dia esse, etc. Nessa altura, eu já não morava mais nos Estados Unidos, eu morava em Portugal. Voltei para Portugal com o rabo no meio das pernas. Tentei fazer ainda home office, não dava. Não dava, não dava. A pandemia derrubou tudo. E aí acabou a minha aventura.

NaTelinha - E não teve nenhum ensaio para continuar um trabalho interrompido pela pandemia?

Não. Não porque o tempo que durou a pandemia não foi só na RedeTV!. Destruiu o sonho de todo mundo. Era outra televisão depois da pandemia. E principalmente, e aí entra um problema, que é um problema que a gente está enfrentando, pelo menos eu vejo isso com meus amigos empresários, etc., que se chama mão de obra.

As pessoas na pandemia descobriram algumas coisas. Primeiro, que dá para viver com pouco. Ninguém morreu de fome. Perderam salário, perderam emprego, mas sobreviveram. Então, hoje em dia nem tudo é dinheiro, 'quero qualidade de vida'.

Outra coisa que as pessoas descobriram foi o home office. Hoje, ninguém quer pegar de segunda a sábado dentro de um trabalho. Esquece. Então, uma televisão é feita disso, uma produção é feita disso. Você não consegue fazer uma produção de home office inteira. Não há como retomar esses projetos.

NaTelinha - Mas depois você foi para a Band também, você teve uma experiência bem curta, acho que foi o quê? Oito meses?

Não, eu estive mais curto ainda na Jovem Pan. O Tutinha me convidou só para a implantação. Tinha prazo de validade. Ali eu estava mais para assessorar Se bem que um cara que tem o sobrenome Carvalho, com a história de pai e avô, não precisa ser assessorado. Ele não precisa ser assessorado, mas deu resultado.

No dia que eu saí, foi o primeiro dia que a Jovem Pan ganhou da CNN. Missão cumprida. Foi bem curto. Na Band também foi curto. Na Band, se somar tudo, deu oito meses. E a Band, eu tenho um carinho muito grande pelo Johnny. E eu acho ali que talvez se há algum problema na Band, não é o Johnny. O problema não é o Johnny, o problema não é de cima para baixo. O problema é que quem sou eu pra estar julgando a Band?

NaTelinha - Você é o Homero Salles.

Não, tô fazendo aqui uma ilação. Mas como são coisas que eu já falei pro Johnny, eu acho que não tem problema nenhum de falar. Eu acho que tudo gira em torno da programação, entendeu? Vamos pegar hoje. Liga a Band. a no jornal. Depois do jornal, o que você vai ver? Tá ando novela. Que foi feita pras 22h30, 23h. Aí entra o R.R Soares. Depois entra o quê?

NaTelinha - Melhor da Noite com o Otaviano Costa.

Que tal o programa do Otaviano Costa às 20h30 e a novela 22h30? Será que só eu vejo isso? Será que eu sou um gênio e só eu estou iluminado agora falando para você, te convencendo? Espero que convença, que você saia, pare, pense e fale. 'Pô, tem muito mais lógica às 20h30'. Essa novela foi feita para o streaming. É uma novela maravilhosa. Explodiu no streaming. Não está chegando a 2 pontos na Band.

[nota da redação: a novela que Homero se refere é Beleza Fatal, novela que estava no ar pela Band quando a entrevista foi gravada]

NaTelinha - Podem falar que tem a questão do MasterChef, né, Homero? Eles não querem que a galinha dos ovos de ouro...

Acomoda. Tem um dia da semana do Master, dois, e é sazonal também. Você acomoda. A Record tem feito números maravilhosos com o futebol e nesse dia não a a novela Gênesis. Ela faz o futebol e fala: 'Excepcionalmente hoje não teremos a novela'. Sabe o que é interromper uma novela para uma senhorinha de 50 anos?

NaTelinha - Revoltada.

Para botar um futebol. Tem que ter coragem. Mas fazem. Mas fazem. Então, se você pergunta para mim, a Band tem jeito? Tem. Acerta a programação.

NaTelinha - Você daria conta de acertar?

Não é a minha área.

NaTelinha - Você entende, Homero.

Eu palpito. Não é a minha área, mas veja, quem é o diretor artístico da Band? O diretor de conteúdo é o Rodolfo Schneider, que é um jornalista maravilhoso, ele foi cria do Boechat, agora ele tem o Mitri, amanhã ou depois ele pode até estar no lugar do Mitri, um garoto muito novo, muito inteligente, muito capaz, cria da Band, mas ele acumula jornalismo, esporte e entretenimento.

NaTelinha - É muita coisa para uma pessoa só.

Eu ei oito meses tentando convencer todo mundo que era muita coisa para uma pessoa só e não consegui. Espero que alguém um dia convença. Alguém diz. Porque é difícil. Ele é muito capacitado, mas não é criado no artístico. E a Band colocou a novela às 20h30 por uma razão pueril, porque é o único horário que não tinha novela.

NaTelinha - É a contra-programação.

É a contra-programação. Mas para... Para dar 2? Uma novela que explodiu no streaming?

NaTelinha - Melhor da Noite dava 1 e pouco também.

Ela não tem cara de 20h30.

NaTelinha - Mas você acha que daria mais de 2 às 22h30?

Daria. Com certeza. Daria. Na Band, daria mais de 2. E o Otaviano, ele é muito bom para estar com aquele formato de programa às 20h30.

Às 20h30 com um formato tão descontraído, até mesmo um formato de fora, um formatinho de game, porque o game, quem faz é o apresentador. A maior prova disso, nós estamos com o Tom e o Acerte ou Caia!.

NaTelinha - Tá arrebentando nos domingos da Record, tá arrebentando.

E já tinha sido feito com o Datena.

NaTelinha - E com o Milton Neves, né? E tinha feito um programa parecido na Record.

Então você veja que nem tudo tá perdido. A Band acerta um formato ali, um game pro Otaviano. Otaviano às 20h30 tira de letra ali. A Band tem um target que ela preza até pelo bom jornalismo que ela tem. Ela coloca a classe B já sedimentada para A, entendeu? E tem muito mais a ver com esse horário. Nesse horário não tem trabalhador nas seis horas da manhã. Nesse horário é mais elitizado.

NaTelinha - E o que você acha do MasterChef? Você falou que ele é sazonal, mas não é mais porque está quase o ano inteiro no ar.

Estão indo com o MasterChef até a última gota. Eu lamento muito, porque é um programa muito bem feito. Eu ouvi da diretora do MasterChef, quando eu estava na Band, um dia ela falando: 'Se tirar o logotipo, colocar o da Globo, colocar de outra emissora,  é o programa'. Eu falei: 'Você tem razão, o programa está com uma qualidade que é só trocar o logotipo, ele podia estar na Globo, podia estar nos Estados Unidos, no canal de Los Angeles, é muito bom'.

Agora, chega uma hora que você vai esgotar isso.

NaTelinha - A Globo teve o Mestre do Sabor, mas durou pouco. Não esgotou. Agora a Ana Maria Braga vai ter o dela...

É, aí eu pergunto pra você: a Globo tá sabendo o que ela tá fazendo? Eu coloco a Globo sempre assim, primeiro meu respeito por ela, porque ela não é Brasil só, ela é tão boa no mundo, ela tem um o papel dela no mundo como ela tem aqui no Brasil. Então, em primeiro lugar, vem o respeito pela Globo. Em segundo lugar, eu tenho que lembrar do histórico da Globo e tudo o que a Globo fez. Foi maravilhoso. No campo da dramaturgia, excepcional. O jornalismo dela é imbatível. Tem uma série de coisas.

Agora, hoje, vamos falar dos tempos de hoje. Eu nunca vi a Globo tão perdida. Não só em trocas de horário, como com conteúdos fraquíssimos. É porque saiu o pessoal e entrou um novo pessoal. Essa troca não acontece lá fora. Não tem uma produção americana que não tenha três ou quatro cabeças brancas. Aqui no Brasil, o etarismo prevalece. Não tem mais aquelas pessoas na Globo.

NaTelinha - Aquela Globo que a gente conhece e se tornou reconhecida pela sua qualidade, ela não existe mais?

Quem fez a Globo, acabou. Não está mais lá. Muita coisa ainda vai por inércia. Já está feita a estrutura, está feita, etc. Quando desanda, não tem quem renove e coloque no trilho. Não dá para voltar no trilho. Principalmente no caso da dramaturgia. Hoje, toda aposta da Globo é em cima de novelas remakes, Vale Tudo, etc. Agora, é falta de autor? Não. É falta de elenco? Não. É em outro patamar o problema. E aí, Nunca esteve um campo tão fértil para as outras emissoras.

NaTelinha - E elas estão aproveitando?

Ainda não. Ainda não. Quando a Globo começou a cair muito e já estava prevista a transição do Silvio, a Band esboçou... Puxa, talvez seja a nossa hora. O SBT não pode ser cobrado agora, é injusto. Você cobrar alguma coisa agora é injusto. Perdeu um homem que era centralizador há pouquíssimo tempo. O Silvio nunca distribuiu, nunca.

Então, você está saindo do topo e você não pode cobrar de quem está no SBT agora, seria cometer uma injustiça enorme. Tem que dar tempo ao tempo. E televisão não é a ciência exata.

NaTelinha - Mas, Homero, o SBT está indo muito pelo caminho do jornalismo, que você disse que não é exatamente o DNA. Tem muitas horas de jornalismo no começo da manhã, fim de tarde...

Os programas de fim de tarde, você não sabe que canal está. Porque é uma necessidade. Você não pode abrir aquele espaço. Você não vai, por exemplo, concorrer com a Record ou concorrer até com a Globo, que está fazendo a mesma coisa, e não colocar esse tipo de jornalismo de crime, etc., naquele horário.

Então, não vejo o SBT errado. Vejo que o SBT está na fase que tinha que estar. E como eu sei que televisão não é ciência exata, você não aprende a fazer televisão em faculdade, assim como eu não posso ensinar ninguém a ser apresentador, senão seria eu. Se tivesse alguma fórmula, todo mundo empatava no Ibope. Não tem fórmula, é erro e acerto. Erro e acerto. Então, o SBT tem todo o direito de errar agora, porque está fazendo uma fase de transição. É normal isso. Acho que quem tinha que aproveitar um pouco mais era a Record. E a Record parece que pegou a deixa.

E isso é uma coisa que ela está fazendo inteligentemente para pegar a Globo. Eu acho que agora não é a hora da disputa Record e SBT. Vai chegar a hora. Agora é a hora da Record falar, eu posso beliscar um pouquinho da Globo.

NaTelinha - Como acontece às vezes...

Às vezes. No esporte ela conseguiu.

NaTelinha - Se o telefone tocar, você volta pra TV?

Tem dias e dias. Tem dias que eu acordo, mas a rapidinho a vontade.

NaTelinha - É?

É verdade, porque eu acho assim, eu tenho meus filhos fora daqui do Brasil, tenho um aqui no Brasil, tenho dois fora, eu prefiro me dividir um pouco mais e voltar para a Europa. Minha vontade hoje não seria, por exemplo, assumir um compromisso com uma emissora. Se eu tivesse que assumir, eu teria que dizer: 'Olha, a qualquer momento eu posso estar fora, como já fiquei oito anos fora'. É mais fácil levar meu filho que mora no Brasil, ele trabalha na Record, levar meu filho que mora no Brasil para me visitar lá fora do que trazer dois para me visitar aqui. Então, eu não gostaria de assumir um compromisso de longo prazo ou médio prazo com uma emissora.

É lógico que o bichinho não vai sair da veia nunca.

NaTelinha - Está coçando, não é?

Está coçando. É normal que isso daí aconteça e não poderia ser diferente dado a minha formação, a minha criação. Com 5 anos, eu sabia o que eu queria. Meu pai ava projeção grande na garagem de casa e eu tinha uma maquininha de plástico e eu juntava a criançada e ava filminho. Eu fazia teatro com 6, 7 anos. Eu sabia o que eu queria. Eu tenho certeza absoluta que nasci para fazer televisão. Então, vou morrer pensando em televisão. Não tem como.

NaTelinha - Televisão aberta, vamos frisar, não é?

É, porque veja, cabo, o streaming está fazendo coisas que eu não teria condição nenhuma de fazer em uma TV aberta. Com tempo, com dinheiro, com calma. O tempo que eles levam para fazer uma iluminação, eu faço dois programas. É diferente. Aqui é linha de montagem. É você querer comparar sei lá, uma Maserati com uma Ford. Ford é linha de montagem. Isso daí eu me garanto. Agora, ter a paciência... Como eu disse para você, eu e o Gugu não éramos bons nos gravados.

NaTelinha - Pois é. E no streaming, pelo menos por enquanto, não tem programa ao vivo de entretenimento.

Aí que eu digo para você que a TV não muda. A TV tem esse lugar de fala. E vai continuar tendo. Na hora que você tem, alguém falou na rua: 'Rapaz, a Rússia agora invadiu a Ucrânia inteirinha'. Você vai para o streaming? Você vai para o cabo? Ou você vai para a TV aberta?

NaTelinha - Escolho sempre a TV aberta.

Não tem jeito. Agora, você vai pegar a primeira informação no portal, porque os tempos mudaram. Aí você vai olhar no portal, mas como o portal não é bom para fazer TV, você vai para a TV aberta. Para ver aquela imagem, para ver a cobertura, para ver o comentarista falando. Não é a mesma coisa que ler.

É muito difícil. Nesse ponto, sim, eu concordo que os tempos mudaram. O dinheiro mudou? Concordo que o dinheiro mudou. Mas a essência da TV aberta não vai mudar nunca.

NaTelinha - Seu livro sai quando?

É uma boa pergunta. Estou muito preguiçoso. Tô no quinto capítulo ainda, eu paro, volto reviso, peço opinião pros meus amigos, acho que tá uma porcaria... É muita história. Sou um contador melhor falando que escrevendo. Aí acho que escrevi pouco, aí a história é muito grande pra contar e fico com preguiça. Preciso me achar nas ideias. Mas eu vou fazer. De um jeito ou de outro, vou fazer. Não só uma contribuição pro leitor, mas principalmente pra alguém que tá numa faculdade e queira ter alguma experiência.

O Gugu me ensinou a ler biografias. Eu sempre fui muito de ficção. Ele lia muitas e me entusiasmou a ler. E você vê a diferença quando o cara conta a história dele e vê que aquela pessoa teve que ar por várias provações, degraus, e foi indo, não apareceu de geração instantânea. Acho que o menino hoje entra numa faculdade e ele acha que quando acaba e receber o diploma está pronto pra trabalhar na televisão. E não está. Mas isso não é culpa dele e nem do professor. É porque TV não é assim.

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